“Je ne dit rien; je ne propose rien; j”expose.”
Newton
Ao longo dos últimos 17 anos, tenho sido um participante relativamente ativo do debate brasileiro sobre a questão previdenciária. Meu primeiro artigo sobre o tema é de 1992 e desde então escrevi e participei de muitos seminários a respeito do assunto. A experiência me convenceu de que é impossível mudar as regras sobre a matéria sem um engajamento firme do governo, em geral, e do presidente da República, em particular. Quando houve esse engajamento, as reformas foram aprovadas: foi assim por ocasião da emenda constitucional aprovada no governo FHC e depois com a lei que instituiu o fator previdenciário, bem como, em 2003, com a reforma previdenciária do governo Lula. Quando não houve esse engajamento, como em 2007, ocasião em que o presidente Lula abdicou de liderar o processo e deixou-o a cargo do Fórum da Previdência, o país ficou meses discutindo propostas sem que se chegasse a um consenso – como era previsível desde o primeiro dia, em função da postura passiva do Executivo.
Defender uma reforma da Previdência é custoso. Posso falar por experiência própria. Por razões humanamente compreensíveis, ligadas entre outras coisas à incapacidade dos governos de comunicar adequadamente o que está em jogo – o que leva as pessoas a magnificarem o tamanho da ameaça aos seus interesses -, a maioria dos indivíduos reage com os ânimos à flor da pele quando se discutem mudanças nas regras de aposentadoria.
Nesses quase 20 anos de debates, colhi de tudo. Desde impropérios de gente que se apresentava dizendo que tinha “asco” das minhas propostas, até jornalistas que afirmaram que eu queria “matar os velhinhos para resolver os problemas fiscais do país”, por apontar para os problemas ligados ao aumento da população idosa, passando por e-mails como o que recebi de uma senhora que escreveu dizendo que “ao invés de dar conselhos, o Sr. deveria recebê-los e se suicidar” (na ocasião, fui obrigado a responder que “temos instruções da ouvidoria do Ipea para atender a todos os que nos escrevem, mas neste caso particular receio não poder acolher o seu pedido”).
Para que uma reforma da Previdência tenha chances de ser aprovada, há cinco requisitos fundamentais que devem ser atendidos: i) convicção; ii) persuasão; iii) persistência; iv) energia; e v) articulação. A proposta irá requerer que os seus defensores estejam convencidos de que ela é importante; irá demandar uma formidável capacidade de convencimento por parte do presidente e dos ministros da Fazenda e da Previdência; exigirá muita insistência, por meio de idas das autoridades aos principais veículos de mídia, ao longo de meses de um debate intenso; implicará muita energia pessoal para enfrentar os questionamentos mais duros que surgirão no processo, com custos políticos óbvios; e obrigará a ter uma grande capacidade de articulação parlamentar, para que uma proposta intrinsecamente controversa possa ser aprovada.
As pessoas com formação técnica têm, no início da atividade profissional, dificuldades em lidar com questões que afetam as emoções humanas. Não sou exceção e por isso errei muitas vezes na forma da abordagem das questões que dizem respeito à Previdência Social. Como me disse uma vez um amigo que passou pelo governo, “algo que eu aprendi em Brasília é que nem tudo aquilo que eu julgava absurdo era julgado absurdo pelos outros”. Assim com os outros economistas que começaram tratando do tema previdenciário como uma questão numérica, eu aprendi com o tempo que o tema vai além da matemática. Por outro lado, sabendo que nada irá adiante na matéria sem uma postura firme e clara em favor da reforma por parte da liderança política, penso que o papel dos técnicos deve ser o de mostrar a quem tem poder de decisão – os políticos, que contam com a delegação do voto – que a Previdência não pode ser tratada apenas como um simples problema aritmético, mas ela é também uma questão aritmética. E isso por uma razão que não deveria ser difícil de entender: a sociedade brasileira está começando a envelhecer (ver tabela). Ou o Brasil compreende a importância dessa questão – curiosamente esquecida no Brasil pela pasta ministerial ligadas às questões estratégicas de longo prazo, que não listou o problema previdenciário entre as suas prioridades – ou os nossos filhos e netos pagarão caro pela nossa negligência.
O que fazer? A palavra agora cabe aos políticos. Eles é que devem dizer na campanha, em 2010, como o país irá tratar essa questão no futuro. Não é propósito desta série de quatro notas sobre a Previdência apresentar propostas, mas apenas mostrar os dados mais relevantes sobre o tema. Em nossos próximos encontros, iremos discutir três pontos: i) a pressão do salário mínimo sobre as contas da Previdência Social; ii) o peso das aposentadorias por tempo de contribuição; e iii) a influência crescente da aposentadoria das mulheres. O leitor poderá fazer o seu próprio julgamento acerca de qual é a melhor forma de lidar com as diversas questões abordadas.
Antes disso, um esclarecimento: a despesa do INSS caiu, em 2008, de 7,1 % para 6,9 % do PIB. Isso se deveu a três coisas: a) o forte crescimento da economia, que não irá se repetir com a mesma intensidade nos próximos anos; b) o fato de um de cada três beneficiados do INSS ter recebido, em 2007, 14 pagamentos, pela antecipação da data de recebimento; e c) a queda das despesas com auxílio-doença, por causa da redução de 13 % do número total de benefícios dessa rubrica em 2008 em relação a 2007, devido ao combate eficiente às irregularidades promovido pelo Ministério da Previdência. Com crescimento menor e sem novas quedas do auxílio-doença, porém, a despesa do INSS voltará a ser pressionada em 2009. Cabe à liderança política apontar o que fazer.
(Valor Econômico – 09/03/2009)
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