Os mitos em torno da reforma da Previdência têm origem em duas fontes. A primeira vem de uma mistura de ignorância, ideologia ou má fé, que ilude muitos com a pregação de que não há déficit ou que a reforma é contra os pobres, ameaça direitos e por aí afora.
A segunda é a ideia de que a Previdência é um programa social, destinado a eliminar desigualdades. Na verdade, a Previdência é uma espécie de seguro para amparar os indivíduos na velhice. Baseia-se na participação obrigatória e no princípio de que seus benefícios correspondam ao montante acumulado pelas contribuições. Combater desigualdades é necessário, mas isso cabe a programas específicos, financiados pelo orçamento público e não pela arrecadação previdenciária.
A ideia de que a Previdência é um programa social justifica tratamentos especiais sem justificativa. Daí vem a defesa de aposentadoria especial para professores, que poderiam aposentar-se antes dos mortais comuns. Acontece que o exercício de uma função nobre, a de educar, não os faz merecedores de tratamento diferenciado.
Não consta que os professores tenham sobrevida menor do que a dos demais segurados da Previdência depois dos 65 anos. O que importa, para as finanças previdenciárias, é o gasto durante a sobrevida. Na mesma linha, não cabe dar tratamento especial para policiais. O risco que eles correm na sua atividade não deve ser compensado pela Previdência, mas por salários e outros benefícios, inclusive o de periculosidade, que vigora em quase todos os estados.
O que dizer do limite de idade menor para as mulheres? Olhado pelo ângulo exclusivo do seguro, trata-se de grossa impropriedade, pois as mulheres têm sobrevida maior do que os homens. Na verdade a idade de aposentadoria de homens e mulheres convergiu para um único padrão em praticamente todos os países: entre 65 e 67 anos.
Há também o argumento da jornada dupla. As mulheres trabalham e cuidam da família, diz-se. É um argumento pobre, que desmente o esforço que elas vêm desenvolvendo, desde o fim do século XIX, para ser tratadas de forma igual à dos homens no mercado de trabalho, na política, no setor público e assim por diante. É paradoxal, assim, que parlamentares mulheres estejam lutando para manter a diferenciação.
Na Inglaterra, nos anos 1980, havia a diferença. A idade mínima para aposentadoria dos homens era de 65 anos; a das mulheres, 62. Sabem o que aconteceu? As mulheres se mobilizaram para igualar-se aos homens. Invocaram tratados da então Comunidade Econômica Europeia (hoje União Europeia), que proibia discriminação de gênero. Sim, as inglesas julgaram que estavam sendo discriminadas ao terem que se aposentar aos 62 anos. Conseguiram a igualdade aos 65 anos.
Nada justifica as aposentadorias especiais. Temos visto parlamentares e líderes sindicais defendendo aposentadoria especial para quem executa trabalho penoso, mas isso nada tem a ver com a Previdência. Essas confusões explicam grande parte das resistências à reforma.
Fonte: “Veja”, 13 de abril de 2017.
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