*Por Luiz Henrique Stanger, Líderes do Amanhã
A privatização e a capitalização da Eletrobras é um dos assuntos do momento. A empresa é uma sociedade de economia mista de capital aberto que, sob o controle acionário da União, figura como a maior geradora e distribuidora de energia elétrica no Brasil. Atualmente, a capacidade geradora equivale a 1/3 da total instalada no país, e a empresa conta com 13 mil funcionários. Em 18/05/2022, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, por maioria de votos, o modelo de desestatização da Eletrobras.
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Privatização, vale lembrar, é um processo no qual empresas geridas pelo Estado passam a ser controladas pela iniciativa privada, o que pode acontecer via venda de ativos ou capitalização da companhia. No caso da gigante nacional do setor de energia, a proposta reduziria a participação da União, que hoje é de 75%, para 45%. Além disso, novos acionistas não poderiam adquirir 10% ou mais de participação da empresa, o que manteria a União com a chamada golden share, isto é, ação de classe especial que lhe garantiria o poder de veto em questões estratégicas, ainda que detentora de menos da metade da companhia. A privatização encerra um processo inaugurado em 2018, no governo de Michel Temer e, se concluída, será a primeira privatização do governo do atual presidente, Jair Bolsonaro.
Basta falar em privatização para que políticos com interesses subordinados a grupos de pressão contrários à privatização comecem uma guerra de narrativas e falácias, a fim de impedir a alienação de ativos estatais. Dentro dessa mesma classe, políticos sérios, técnicos e empenhados em realmente trabalhar em prol da população, se esforçam em demonstrar as vantagens do livre mercado e de ter agentes privados com capacidade para melhorar a eficiência das empresas privatizadas. Consequentemente, a lucratividade das operações, sem contar o melhor atendimento prestado aos clientes.
Muito distantes de escolher o melhor para a população, que certamente se beneficiaria de menos ingerência estatal na geração e na distribuição de energia, um número considerável de parlamentares se alinha a grupos de pressão contrários à privatização da Eletrobras.
O processo em curso de capitalização poderia dar fim ao uso político da empresa, que tem seus cargos e projetos loteados por políticos, e sindicatos. O próprio Ministério de Minas e Energia, que formula as políticas do setor elétrico e dispõe da Empresa de Pesquisa Energética e suas centenas de profissionais que o respaldam, foi atropelado pelo “toma lá dá cá” político. Processos e ritos do planejamento energético nacional, que incluem estudos setoriais sobre impactos econômicos, ambientais, tributários, análise de impacto regulatório, consultas e audiências públicas foram simplesmente suplantados pelo comportamento político oportunista, no afã de atender a necessidade do resultado de uma privatização que, na verdade, é um retrocesso.
Cerca de 90% das emendas apresentadas foram de partidos de oposição ao governo que, meramente, almejavam alguma vitória contra ele. Após a entrada em pauta de um relatório apresentado pelo relator do projeto, de conversão de medida provisória que desfigurou a privatização da Eletrobras, sua respectiva apresentação e posterior aprovação pela Câmara dos Deputados. O mercado de capitais, imediatamente, reagiu precificando as ações da empresa para baixo, justamente pelo projeto cheio de “jabutis” que não estavam na medida provisória original encaminhada pelo governo.
Os congressistas, em grande maioria, deveriam levar a sério os discursos que fazem aos gritos no plenário, sobre a luta pelo melhor serviço e pelas melhores tarifas para os consumidores. Na prática, o consumidor pagará por obras escolhidas pelo comitê gestor, contratação prévia de termelétricas e gás natural em locais que não fazem sentido do ponto de vista elétrico, privilégios para funcionários da estatal, subsídios via recursos da usina de Itaipu e recursos para melhorar a navegabilidade do rio Madeira. Além disso, uma nova empresa pública será criada para manter sob controle direto ou indireto empresas e instalações, e deverá realocar toda e qualquer população que esteja na faixa de servidão de linhas de transmissão de alta tensão.
Fica nítido o desrespeito à tecnicidade necessária para decisões da magnitude das colocadas nas emendas, com nítida reserva de mercado e benefício claro a grupos de interesses que operam nos bastidores de Brasília. O próprio formato com que foi apresentado o projeto corrobora tal desrespeito, eis que o legislador colocou no texto final da lei o objetivo principal, ou seja, a desestatização, juntamente com todos os chamados “jabutis”. No caso de veto, a própria privatização seria vetada.
O escritor Frédéric Bastiat, na obra “O que se vê e o que não se vê”, traz para reflexão a importância fundamental de se considerar não apenas os efeitos de primeira ordem na tomada decisões, mas, sobretudo, aqueles de segunda ordem. No caso da privatização – ou capitalização – da Eletrobras, o que se vê num primeiro momento é um avanço, mas o efeito de segunda ordem pode ser verdadeiro retrocesso para consumidores, além do próprio mecanismo de privatização.
O governo que tanto fala sobre privatização não demonstra convicção do viés liberal amplamente vendido durante a campanha e em constantes discursos. O termo jabuti foi atribuído a Ulisses Guimarães que dizia que Jabuti não sobe em árvore, então, se ele está lá, é porque foi enchente ou mão de gente. No caso da privatização da Eletrobras, políticos desinteressados com o real resultado, não raramente guiados pela falta de valores e, cedendo aos apelos dos grupos de pressão, lançaram mão de tais jabutis e deixaram a privatização com cheiro de retrocesso.