Não faltam manifestações a favor da Petrobras e contra sua privatização. O PT, sindicatos e associações de petroleiros atribuem a sanha privatista às elites e aos mercados.
Mas a Petrobras já está sendo privatizada, e isso desde a época de Graça Foster. Chamam a operação de “vender ativos” ou “desinvestimento”, mas o nome é privatização na forma mais clássica: alienar patrimônio para pagar dívidas e fazer caixa.
E mais: privatizam no pior momento. A estatal, superendividada, está desesperada atrás de caixa; o petróleo está em baixa forte e, parece, duradoura, o que desvaloriza todos os ativos do setor. Privatizam na bacia das almas.
Parece ser a sina dos desenvolvimentistas: obrigados a tocar políticas ortodoxas para corrigir os estragos causados por suas políticas supostamente desenvolvimentistas. Com um agravante: são estranhos à ortodoxia, não a estudaram, não a praticaram, acabam fazendo tudo mal feito.
Pensaram no atual momento do governo Dilma?
Pois é isso mesmo, com uma diferença importante. A presidente chamou um legítimo ortodoxo, assim celebrado no Brasil e lá fora, para tocar esse serviço.
Para quem considera que o ajuste é necessário, trata-se de uma vantagem. Mas os conflitos são inevitáveis.
A presidente e o ministro Levy até que se esforçam para não criar atritos e/ou para desarmar os que aparecem. Mas toda vez que uma ou outro fala espontaneamente, quando deixam fluir as ideias, dá trombada.
Levy respeita e ouve os mercados. Dilma diz que não governa para especuladores.
O ministro considera que o ajuste das contas públicas é questão de princípio, que não há vida sem equilíbrio fiscal e monetário. Dilma acha que o ajuste é um atalho, um mal necessário para um problema momentâneo.
Levy escreveu diversas vezes sobre os equívocos da política do governo Dilma-1. Previu os desastres quando disse, por exemplo, que o crescimento dos salários sem ganhos de produtividade levaria fatalmente ao aumento do déficit das contas externas e da inflação. Dilma acha que o crescimento dos salários é seu mérito e que os problemas vieram não disso, mas da crise internacional.
Levy tem dito que a crise já acabou. Dilma ainda sustenta que a Europa está estragando tudo com sua austeridade.
Então, poderão perguntar, por que a presidente aplica aqui a mesma austeridade? Não é a mesma, sustenta a presidente. Lá é questão de princípio, aqui é mal passageiro.
Levy disse que a alta de salários sem ganhos de produtividade aperta o lucro das empresas, o que não é bom, porque estas param de investir. Dilma acha que o ajuste tem que ser mais em cima das empresas.
Levy diz que os bancos públicos vão elevar suas taxas de juros, as taxas que Dilma mandara derrubar.
Levy quer um amplo programa de privatização de estradas, portos, aeroportos, para o qual considera que as tarifas devem ser atraentes, ou seja garantir o bom lucro dos investidores. Para Dilma, o mais importante é a tarifa baixa.
Mentiricídio
Muita gente no governo diz que Levy comete sincericídio. Querem, pois, que cometa mentiricídios.
Ele não tem feito isso, mas dá umas voltinhas. Por exemplo: diz que o ajuste das contas públicas tem como objetivo o crescimento econômico.
Não é bem assim. Difícil ter crescimento sustentado com desajuste das contas públicas. Mas contas em ordem não garantem crescimento. É perfeitamente possível ter orçamento equilibrado e estagnação.
O que garante crescimento é investimento, especialmente em infraestrutura e, no nosso caso, via privatizações — quer dizer, perdoem, concessões.
Bom para a China
A política externa da China tem um grande objetivo: garantir o abastecimento de comida, matérias-primas e petróleo. Na outra mão, abrir e consolidar mercado para seus produtos industrializados.
Com enorme poupança, a China paga adiantado e assim financia a produção do que vai receber lá na frente. A petroleira que recebe o financiamento fica amarrada ao credor por muitos anos.
Com a Argentina, a China fez um monte de acordos desse tipo, de financiar a troca de alimentos por industrializados. A Argentina está sem acesso aos mercados internacionais de crédito e assim se agarra ao dinheiro chinês.
Por isso, a Petrobras precisa explicar muito bem como foi esse acordo pelo qual vai receber US$ 3,5 bilhões do Banco de Desenvolvimento da China.
Não pode
Parece que a gente está anestesiada diante de tanto malfeito. Mas convém reparar: o presidente da Vale, Murilo Ferreira, não pode ser o presidente do Conselho de Administração da Petrobras.
As duas têm negócios e operações conjuntas que podem levar a conflito de interesses. Além disso, a Vale tem um pé no governo — ou o governo tem um pé na Vale. E tudo bem com o mesmo executivo como chairman e CEO das duas maiores companhias?
Fonte: O Globo, 2/4/2015
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