O que é pior? Não privatizar os aeroportos, e insistir na fracassada gestão estatal, ou fazer uma privatização, digamos, envergonhada?
Lula ficou com a primeira resposta. A presidente Dilma decidiu pela privatização. Celebrou a licitação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, o primeiro dos grandes a ser inteiramente operado pela iniciativa privada, e mandou tocar a concessão de mais três, Viracopos, Guarulhos e Brasília. Mas nestes casos, saiu um modelo de privatização pela metade. As cláusulas restritivas à ação dos futuros concessionários criam o risco de obras mal feitas e operação cara para companhias aéreas e passageiros.
Vamos falar francamente: se o governo tivesse dinheiro e capacidade para reformar, construir e operar os aeroportos, não seria preciso privatizá-los. Logo, ao decidir pela desestatização, o governo deveria aplicar um modelo que garantisse amplo espaço de atuação às companhias do mercado, exigindo-se delas, em contrapartida, a alocação de capital novo, competência e competição. Papel do governo: regulador e fiscalizador.
Mas os concessionários privados de Viracopos, Cumbica e Brasília terão que carregar como sócia a Infraero, que terá entre 45% e 49% do capital das novas operadoras. Ora, a Infraero é justamente a estatal que, se tivesse funcionado direito, teria dispensado a privatização. Por que deveria entrar de carona no novo sistema?
Para transmitir seu conhecimento e sua experiência – é uma das respostas que dão funcionários do governo envolvidos no negócio. Mas quem disse que os concessionários precisam disso? Há muitas empresas privadas por aí, multinacionais e nacionais, com ampla capacidade de construir e operar aeroportos, com as mais novas técnicas. Várias delas já manifestaram interesse no mercado brasileiro.
E se as concessionárias julgassem essencial a experiência da Infraero, teriam como adquirir essa expertise, negociando livremente com a estatal.
Dizem também que a Infraero precisa participar dos lucros das operações privatizadas para aplicar o dinheiro em aeroportos não rentáveis espalhados pelo país. Ora, não precisa entrar de sócia para isso. Basta o governo, o poder concedente, passar à sua companhia o dinheiro que vier a receber dos concessionários privados.
Além disso, os concessionários vão pagar pelas concessões. E vão pagar caro, pois o Tribunal de Contas da União mandou elevar os preços. E que paulada! Para o aeroporto de Brasília, a outorga da concessão vai custar no mínimo R$ 761 milhões, 907% maior que o valor proposto pelo governo nos estudos técnicos. Para Guarulhos, o TCU elevou o valor mínimo de R$ 2,3 bilhões para R$ 3,8 bilhões, aumento de 66,3%. Para Campinas, o lance mínimo deve ir de R$ 521 milhões para R$ 1,7 bilhão, salto de 234%.
O ministro da Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, que comanda todo o processo, disse que está tudo bem, o governo vai acatar os novos valores. Como tudo bem? Como pode ter dado uma diferença tão grande entre estudos técnicos?
De todo modo, eis como fica a coisa: as concessionárias pagarão caro e ainda terão que carregar na administração uma sócia, a Infraero, que, claro, vem junto com sua estrutura, seu pessoal e seus, digamos, hábitos, de companhia estatal. No fundo é esse o objetivo do modelo: preservar toda essa estrutura estatal, mesmo com a entrada dos operadores privados.
Difícil dar certo. Não que os leilões fracassem. Sempre aparecem companhias interessadas, mesmo em condições difíceis. Sabe como é, pode-se renegociar o contrato e, no limite, se ficar inviável, a obra vai bem devagar ou para, como acontece, por exemplo, na transposição das águas do São Francisco.
Difícil dar certo em pelo menos três sentidos. Primeiro, pagando caro pela concessão e ainda carregando uma sócia pesada, o concessionário terá custos bem mais elevados. Isso significa serviços piores e mais caros para os usuários – as companhias aéreas e de carga e os passageiros.
Segundo, será prejudicada a introdução de novos sistemas e tecnologias.
Terceiro, não haverá competição entre os aeroportos. Em circunstâncias normais, os concessionários de Viracopos e Guarulhos poderiam perfeitamente competir. As companhias aéreas, por exemplo, poderiam escolher onde instalar suas principais operações, conforme as ofertas que recebessem dos aeroportos.
Com a Infraero participando de todas as concessões, e com até 49% do capital, portanto, com poder de gestão, como haveria essa competição?
Tem mais. Há muitas empresas no Brasil, muitas com sócios estrangeiros, preparadas para entrar com capital e tecnologia no negócio de aeroportos. Inclusive para construir e entrar na competição com os atuais. Já há projetos prontos e locais selecionados para cidades tão variadas quanto São Paulo, Porto Alegre, Foz do Iguaçu ou São José dos Campos.
O governo não precisa fazer nada. Bastaria dizer: pode fazer. Em vez disso, sai esse modelo que mistura gestão privada e pública. Dizem que é para combinar virtudes. Vão acabar somando defeitos.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 12/12/2011
Se este cenário for realmente implantado, podemos esperar outro apagão aéreo.
Infelizmente, na cabeça dos nossos gestores , a questão não é só de privatização envergonhada. Trata-se da clássica e suspeita postura do Estado executor, quando só deve ser regulador e fiscalizador competente.
Que conhecimento e experiência a Infraero tem para mostrar, que a iniciativa privada não possa se desempenhar com muito mais competência?
O problema do ”privataria” é que ao invés da gente discutir as denuncias, a gente acaba discutindo a impressa. Sou crítico da propriedade -tanto privada como estatal-, mas, o que me aporxima da ”esquerda marxista” é o de fato de a direita, considerar o estado revolucionário marxista, como ilegal, e a democracia burguesa -igualmente revolucionária- como estado de direito, quase um estado natural do homem. SEJAMOS ANARQUISTAS.
Tem censura ?
Enquanto eu lia seu artigo, esperava pelo embarque aqui em Natal para o Rio. Se no momento isso aqui está parecendo um ‘mercadão’, imagino durante a copa como será!
São Gonçalo do Amarante? Vc conhece? Faça uma visita! (rs).