Adriano Pires e Eloi Fernandez Y Fernandez*
A palavra mais demonizada nos últimos anos foi privatização. A todo momento e, principalmente, durante períodos eleitorais, existiam as acusações de se querer entregar o país aos alienígenas ou aos imperialistas. Entretanto, nada como uma crise e um déficit fiscal estrondoso para que haja um choque de realidade, obrigando o governo a sair atrás de recursos que permitam fechar as suas contas. Ocorre que essa corrida através da venda de ativos, em particular no setor de infraestrutura, está se dando de uma forma muito esquisita e, ao mesmo tempo, promovendo o que chamamos de privatização vermelha.
[su_quote]Enquanto permanecer a instabilidade regulatória e a insegurança jurídica, os novos investimentos tendem a ser realizados, predominantemente, por empresas estatais, sejam elas nacionais ou chinesas[/su_quote]
O governo continua com receio e mesmo medo de pronunciar a palavra privatização. Em vez de privatização, fala de concessão, que, aliás, era o mesmo regime das privatização originais. O seu modelo de concessão não é claro nem tampouco transparente. Assim, acaba por não transmitir ao mercado a certeza de que acredita que o papel do privado é investir, e o do governo, regular e fiscalizar. Fica de olho grande na taxa de retorno do investidor, em vez de ficar preocupado com a qualidade do investimento. Com isso, cria uma desconfiança no mercado e acaba não atraindo um número maior de interessados em investir no Brasil.
Isso ocorreu na venda do campo de petróleo de Libra em 2013. Naquele ano, como o governo precisava fechar as suas contas, estipulou um bônus de assinatura de R$ 15 bilhões. Não se preocupou com as incertezas regulatórias, e o resultado foi o aparecimento de um único consórcio liderado pela Petrobras. O que todos esperavam era uma grande competição, já que estávamos vendendo um campo com uma das maiores reservas do mundo. E por que isso não aconteceu? Resposta: instabilidade regulatória e insegurança jurídica. Enquanto isso permanecer, teremos sempre poucos interessados e uma grande presença de empresas estatais.
Em 2015, estamos presenciando a repetição da história, uma espécie de “vale a pena ver de novo”. Como quebraram a Petrobras, agora, para fechar as contas, entra em campo o setor elétrico. Como esperado, o modelo usado para vender as 29 usinas e arrecadar R$ 17 bilhões não atraiu nenhuma empresa privada; ao contrário, só compareceram estatais, Cemig, Copel e a chinesa CTG.
Ou seja, saiu a estatal brasileira Cesp, que entregou as usinas de Ilha Solteira e Jupiá, e entrou a estatal chinesa. As demais usinas foram readquiridas pelas estatais Cemig e Copel. Qual é a lógica desse modelo onde aparentemente se faz mais do mesmo? Por que os governos estaduais donos de estatais, em vez de incentivarem a expansão para fora dos seus estados, não privatizam as empresas aplicando os recursos dentro do estado? Cabem mais perguntas: qual é o objetivo de investimentos das estatais? Lucro? Ocupação estratégica? Dominação econômica? Num ambiente privado, as três perspectivas são válidas e devem ser transparentes e reguladas pelo Estado. São as chamadas “lógicas de mercado”! E, no caso de o capital ser estatal local ou externo, vale a mesma coisa?
Concordamos com o governo que a saída da crise passa pela venda de ativos, em particular, no setor de infraestrutura. Só que, enquanto permanecer a instabilidade regulatória e a insegurança jurídica, os novos investimentos tendem a ser realizados, predominantemente, por empresas estatais, sejam elas nacionais ou chinesas. Será que essa é a intenção?
Fonte: O Globo: 20/12/2015.
*Eloi Fernandez y Fernandez é professor da PUC-Rio
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