De um lado, uma grande corporação buscando se renovar, trazendo soluções inovadoras para perto de si. Do outro, startups de olho em parcerias e, quem sabe, um contrato ou investimento com uma empresa de porte. Nos últimos anos, programas de aceleração corporativa se tornaram populares no Brasil, com base em imersão, eventos e muitas trocas em um mesmo espaço físico. Em meio à pandemia do coronavírus, essas iniciativas tiveram de se transformar para seguir fazendo sentido, mas não deixaram de estar na pauta das companhias, segundo apurou o Estadão com empresas de inovação que gerem esses programas.
Responsáveis por boa parte dos programas de aceleração corporativa do País, grupos como Liga Ventures, Ace, Kyvo e Endeavor afirmam não ter tido nenhum projeto cancelado em meio à crise do novo coronavírus – a previsão inicial é de que pelo menos 20 projetos sejam executados pelas quatro companhias.
“É claro que houve impacto, porque todas as empresas foram afetadas pela pandemia, mas tudo foi adequado. Tivemos 40% dos programas pausados, mas metade deles já foi retomado e a outra metade vai retornar até julho”, diz Daniel Grossi, cofundador da paulistana Liga Ventures, que neste momento roda projetos com nomes como Banco do Brasil, O Boticário, Suvinil e Danone. “Ouvimos muito de algumas empresas que não dava para começar na data prevista, o foco da atuação tinha se deslocado, mas elas diziam que inovação seguia segundo fundamental.”
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A Kyvo, que atende grupos como Visa, afirmou, por sua vez, ter porcentuais parecidos de adiamento. Para Clara Bidorini, chefe de corporate venture da Kyvo, foi preciso descobrir como fazer as pessoas trabalharem de uma forma diferente. “Tivemos de achar ferramentas para que os projetos pudessem ser tocados assincronamente. Na quarentena, cada pessoa tem um timing diferente”, diz ela.
Calendário
Além das adaptações para o digital, a Kyvo também teve de refazer o calendário de alguns programas – em um deles, que contava com uma viagem de imersão das startups participantes para o Vale do Silício, a excursão foi substituída por uma série de lives e conversas com mentores de diversos países. “A viagem tinha um grande impacto, mas agora poderemos ter uma série de pontos de vista bem diferentes”, diz a executiva. A empresa também afirma que alguns de seus programas, com duração de seis meses, foram abreviados para três ou quatro meses. “O que importa agora é entender o desafio que as corporações têm para inovar e nos adequarmos a isso.”
Ace e Endeavor alegaram não ter tido programas adiados, mas tiveram de fazer ajustes para o universo digital. “Tem gente que acha que ser 100% digital significa mandar um link do Zoom e fica tudo certo. Não é assim: ninguém aguenta ficar o dia inteiro na frente da tela fazendo videoconferências”, diz Igor Piquet, diretor de crescimento de negócios da Endeavor, que acabou de lançar um programa apoiado por clientes como Grupo Pão de Açúcar e Nestlé. Segundo ele, foi preciso redesenhar os eventos e as reuniões para que as atividades fossem proveitosas, com foco nos objetivos. “O que precisamos recriar é a experiência de fazer negócios, não só a comunicação.”
Para o sócio da Ace, Arthur Garutti, o isolamento social até facilitou algumas práticas dos programas de aceleração. “A agenda dos executivos das empresas, que servem como mentores das startups, se tornou menos escassa”, diz ele. Experiência parecida também é relatada por Grossi, da Liga Ventures. “Além do tempo mais livre, também aumentou entre os executivos a percepção sobre a necessidade da transformação digital”, afirma.
Segundo Garutti, os próximos programas da Ace já estão sendo repensados. “No futuro, a aceleração terá um aumento de interações remotas, com só alguns momentos-chave tendo cerimônias presenciais”, afirma.
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Interesse
Outra mudança que aconteceu com os programas da Liga Ventures foi o interesse das startups. Antes da pandemia, ao contrário do que se pensa, nem todas as empresas novatas procuram se associar com uma grande corporação. Em um cenário mais complicado, porém, isso mudou. “Nos programas com inscrições abertas, vimos alta de 50% na procura pelas startups”, afirma Grossi. “Elas estão vendo com bons olhos a possibilidade de se aproximar: em mercados em que as vendas esfriaram, um projeto pode ser uma alternativa para desenvolver negócios.”
Para Piquet, da Endeavor, porém, os empreendedores seguem sendo muito criteriosos para se associar a uma grande corporação. “É preciso separar o joio do trigo. Se a proposta do programa for só eventos e oba-oba, as startups estão fora – afinal, a crise está forçando muita gente a fazer mudanças duras.”
Na visão de Grossi, da Liga, mesmo com um momento bom é difícil prever como será o futuro. Para ele, 2021 pode ser um ano difícil para os programas de aceleração corporativa, por conta do cenário econômico e orçamentos menores das companhias. “Mas acredito que a recuperação também vá ser rápida. O ímpeto das empresas de se transformar não vai se perder.”
Fonte: “Estadão”