No interessante livro da historiadora Barbara Tuchman sobre a eclosão da Primeira Guerra Mundial, “The Guns of August”, a invasão do território da Bélgica pela Alemanha, desrespeitando sua neutralidade, é descrita com tintas carregadas. Como alguns civis participaram de atos contra o invasor, em muitas aldeias, os homens foram reunidos nas praças e mortos sem piedade. Nesse ponto, a autora comenta a surpresa de cronistas da época com o que lhes parecia um retrocesso no “progresso humano”, que acreditavam ser a marca do século que se iniciava, depois das sangrentas guerras do século 19.
Por trás do termo progresso humano havia uma percepção limitada, mas efetiva, da importância de valores, entre eles a defesa da vida, que deveriam ser respeitados mesmo em situações extremas, como é o caso de uma guerra. Limitada por excluir outras situações, como o que ocorria na construção dos impérios ou no respeito a etnias diferentes, mas efetiva por se constituir em algo que, ao longo dos anos e das guerras que seguiram, foram a base do que, logo após a Segunda Guerra, se consolidou na Declaração dos Direitos Humanos e no que podemos chamar de avanços civilizatórios.
Há uma expectativa de que, ao longo do tempo, nós humanos nos aperfeiçoemos e possamos olhar para o direito do outro com menos ódio e mais compaixão, sem deixarmos de perseguir nossos interesses pessoais e momentâneos. Afinal compartilhamos espaço no mesmo planeta e o que fizermos de mal a algum grupamento humano prejudica a todos.
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Mas o século 20 não foi propriamente um modelo de como nos comportarmos com nossos contemporâneos. Perseguimos povos inteiros, praticamos genocídios —e, em alguns casos, ainda o fazemos, como no caso dos rohingyas em Mianmar, ou ameaçamos fazê-lo, como com os muçulmanos da Índia de Modi. Mas, mesmo assim, algumas lições foram aprendidas do passado.
A violência das guerras diminui de forma importante, e menos assassinatos têm sido cometidos, como mostra bem o livro “Homo Deus”, de Yuval Harari. Alguns princípios éticos têm sido respeitados mesmo em tempos hostis. Mas isso porque uma sociedade civil vigilante se ergueu e tem buscado defender, nem sempre com sucesso, os direitos dos invisíveis.
Ainda são muitos, infelizmente, a gritar bravatas nas redes sociais ou nas ruas, mas são ainda mais numerosos os que a eles contrapõem atos de generosidade e propostas de políticas públicas efetivas, tanto no campo da saúde quanto no da economia, baseadas em ciência, não em crendices de grupos de WhatsApp, para afastar as negras nuvens que nos cobrem.
Afinal, seres humanos podem progredir!
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 24/04/2020