O país vive uma crise profunda, de desenlace imprevisível e, no entanto, os atores políticos, salvo honrosas exceções, se comportam como se nada estivesse acontecendo. Todas as demandas, por mais impróprias que sejam, sempre e quando bem amparadas “corporativamente”, deveriam, segundo eles, ser atendidas, como se o Tesouro Nacional fosse um botim a ser saqueado entre os que têm maior poder de pressão.
Os partidos políticos estão agindo com se o presente fosse suficientemente tranquilo para que suas lutas se façam segundo os seus interesses mais particulares. A tempestade se aproxima, mas todos atuam como se estivéssemos diante de um céu de brigadeiro.
O PIB será negativo este ano, será provavelmente zero no próximo, a inflação atingirá 9%, o desemprego está em alta, as expectativas de melhoria de vida da classe média ascendente estão sofrendo uma brutal ruptura, a desindustrialização se acentua e os partidos políticos agem no Congresso como se o seu único interesse fosse acumular mais vantagens e aumentar as suas expectativas respectivas de poder. Ninguém pensa o futuro nem apresenta um projeto para o Brasil.
A pergunta que deveria nortear todos os partidos, em qualquer avaliação de projetos e iniciativas, deveria ser esta: são eles importantes ou não para o futuro do país? Correspondem ou não ao bem comum? São eles válidos para os cidadãos como um todo? Passariam eles por um teste de universalização?
[su_quote]A pergunta que deveria nortear todos os partidos, em qualquer avaliação de projetos e iniciativas, deveria ser esta: são eles importantes ou não para o futuro do país?[/su_quote]
O PSDB, que deveria ser uma oposição responsável, tem se comportado como o PT de antanho, procurando desgastar o governo em tudo, sem se preocupar minimamente com os projetos apresentados. Não age segundo o futuro, mas segundo os seus ganhos mais imediatos, como o de desgastar ainda mais o atual governo e a presidente. É propriamente inconcebível que o partido tenha votado a favor da extinção do fator previdenciário criado por ele mesmo. Era bom então e deixou de sê-lo porque o PT está no governo?
O PT é um caso à parte, pois de tão desorientado decidiu abrigar-se no que possui de tendências mais radicais, como se uma vertente bolivariana fosse preferível à deriva “neoliberal” de seu próprio governo. Mergulhado nos escândalos da Lava Jato não consegue reerguer a cabeça, defendendo os que estão nele implicados, ao mesmo tempo em que condena em geral a corrupção no país. Não resiste a um teste o mais elementar do princípio de não contradição.
Menção especial deve aqui ser feita ao ex-presidente Lula, que se esmera ainda mais em ser uma metamorfose ambulante, dizendo uma coisa em um dia e o seu contrário no dia seguinte, voltando à anterior em outro dia qualquer. O seu pensamento, se é que tal palavra seria apropriada, oscila segundo as circunstâncias e os auditórios. Ocorre que a mágica não mais funciona. Com tal comportamento errático e contraditório, sua imagem se desgasta ainda mais.
A presidente Dilma, por sua vez, possui duas linguagens: a de sua retórica confusa, em que mistura despropósitos como conquista da mandioca, mulher sapiens, confusão entre delação premiada, instituto legal aprovado por ela, e tortura, defesa de ministros envolvidos na Lava Jato e assim por diante; e a de uma linguagem pragmática, que se traduz pela escolha de ministros “neoliberais”, como Joaquim Levy, Katia Abreu e Armando Monteiro, além de ter delegado a articulação política ao Vice-presidente, homem voltado para a institucionalidade do país.
As duas linguagens são contraditórias entre si e a sua convivência em nada ajuda o seu desempenho e a sua imagem. Quando fala, transmite insegurança, confusão e não reconhece os crassos erros que caracterizaram o seu primeiro mandato, sobretudo na política econômica. A herança que legou a si mesmo é maldita. Quando age, atua de acordo com uma nova lógica, reconhecendo de fato — e não verbalmente — os erros cometidos. Afastou o PT da coordenação política, vistos os desastres cometidos, e abandonou a “nova matriz econômica”, patrocinada por ela e de efeitos tão nocivos para o país.
O PMDB, por sua vez, age contraditoriamente. De um lado, apoia a estabilidade das instituições, voltando-se, graças ao Vice-presidente, para a aprovação de um necessário ajuste fiscal, porém, de outro lado, sobretudo no Senado, bombardeia as mesmas iniciativas. Cada aprovação de uma medida do ajuste fiscal vem acompanhada de uma contramedida. A última foi, nesta Casa, a esdrúxula aprovação de um reajuste para os funcionários do Poder Judiciário na média de 60% no contexto de uma economia falida.
Reconheça-se, porém, que todos os partidos políticos compartilharam desta mesma irresponsabilidade, como se o futuro do país não lhes dissesse respeito. É como se a hipoteca do futuro valesse o desgaste presente do atual governo. Acontece que não é apenas o governo Dilma que perde, mas o país como um todo. Note-se, ademais, que o STF também agiu irresponsavelmente encaminhando tal medida.
Processo semelhante ocorreu na Câmara dos Deputados com a extinção do fator previdenciário. Membros de todos os partidos votaram irresponsavelmente. Não basta argumentar que se trata de uma questão de justiça, mas de apontar a origem dos recursos para atender a essa demanda. Não é possível considerar os recursos públicos como uma fonte inesgotável, principalmente em um país já exaurido.
O ganho maior, no caso da Câmara — e benéfico para o país —, foi o de que essa Casa legislativa voltou a exercer um protagonismo, agindo como um Poder independente e não mais se sujeitando a todas as iniciativas do Executivo. Deixou de ser um não-Poder referendador de medidas provisórias, chamando para si a discussão de questões importantes como a redução da maioridade penal.
É mais do que urgente que o país e os nossos representantes se perguntem pelo Brasil por todos almejado, por aquilo que pretendemos deixar para os próximos governos e gerações, e não somente pelo ganho imediato que cada um possa ter. A crise é forte demais para ser amesquinhada por pequenos comportamentos.
Fonte: O Globo, 13/7/2015
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