A indústria petrolífera produz um impacto financeiro significativo, associado ao pagamento de impostos, contribuições sociais, taxas, e, sobretudo, participações governamentais, que incidem sobre a exploração e produção de petróleo. No Brasil, as participações governamentais, em especial os royalties e a participação especial, têm apresentado crescimento expressivo desde a sua implantação, com a Lei do Petróleo em 1998. A elevação do preço internacional da commodity e o aumento da produção doméstica, afetaram positivamente as compensações financeiras pela exploração de petróleo e gás, e as receitas de royalties e de participação especial apresentaram um crescimento de 24,5% ao ano entre 1999 e 2014, saltando de R$ 1,3 bilhão em 1999 para R$ 35,6 bilhões em 2014.
De fato, este regime fiscal se revelou um modelo de sucesso no Brasil, rendendo desde 1999 até hoje mais de R$ 340 bilhões em royalties e participação especial. Pelos critérios da Lei do Petróleo de 1998 e da regulação que rege o setor, a distribuição desta arrecadação se baseia na compensação financeira aos governos das regiões produtoras de petróleo. Assim, os principais beneficiários foram os Estados produtores como Rio de Janeiro e Espírito Santo e municípios como Campos dos Goytacazes e Macaé, que confrontavam a enorme produção marítima da Bacia de Campos.
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Em 2007, a descoberta das reservas de petróleo e gás sob a camada pré-sal nas bacias de Campos e Santos reabriu o debate nacional sobre a distribuição das participações governamentais geradas pela exploração destes novos campos, com vistas à descentralização da receita. Em 2010 foi aprovado o modelo de partilha que terminou com as participações especiais e criou como critério de escolha do vencedor do leilão quem daria para a União o maior excedente de petróleo. O modelo da partilha concentrou mais as receitas na mão da União. As estimativas de gigantescas reservas disponíveis para serem desenvolvidas colocaram o país diante de uma extraordinária reserva econômica e de uma importante fonte de novos recursos públicos na forma dos royalties.
A produção do pré-sal começou a contribuir para a produção brasileira a partir de 2010 e obteve um crescimento explosivo nos campos de Lula e Sapinhoá, que compensou as taxas de declínio dos campos maduros do pós-sal na Bacia de Campos no mesmo período.
No entanto, a situação dos cofres públicos passou por problemas a partir de 2014. A partir desse ano, sobreveio um período que começou com uma queda brusca dos preços do petróleo para níveis até 60% mais baixos, afetando toda a arrecadação a partir de 2015. No período de maior arrecadação, a União e os governos dos Estados produtores não fizeram um bom uso dos recursos e houve desperdício de uma oportunidade de investimento produtivo, e até do acúmulo de poupança, sendo que alguns entes federativos entraram em crise financeira com a queda desta receita. A falta de vinculação da renda petrolífera foi entendida pelas esferas de governo como parte integrante dos seus orçamentos, usando-as com gastos para o custeio da máquina administrativa, como se fossem tributos.
O mal gasto desta renda, tal como foi feito, para financiar gastos correntes está em desacordo com os fundamentos para a cobrança dos royalties, que são de compensar os proprietários do recurso por esse ser esgotável e, portanto, uma arrecadação imprevisível e finita. É preciso realçar que o objetivo básico da cobrança sobre a exploração de recursos naturais é fornecer uma compensação futura pela exploração presente de um recurso exaurível. Por se tratar de um recurso não renovável, a gestão da renda deve ser realizada de modo a direcionar tais recursos para investimentos caracterizados por capital humano e reprodutível.
Tais investimentos devem ser feitos em diversificação da base produtiva, visando garantir a sustentabilidade econômica e o comprometimento com a justiça intergeracional. Atualmente, com exceção da parcela dos repasses dos royalties direcionados ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicado à indústria do petróleo, a legislação atual não contempla o uso dessa renda para projetos que garantam benefícios de longo prazo.
Mesmo ainda sendo considerados ricos pelo critério da renda per capita, comparando-se com a média dos municípios de mesmo porte, os municípios beneficiados nem sempre têm aplicado os recursos provindos dos royalties para solucionar os impactos negativos provocados pela atividade de E&P. Inúmeros estudos analisaram a aplicação dos royalties de petróleo em municípios beneficiados e chegaram à conclusão que muitos deles não utilizaram essa arrecadação para promover o desenvolvimento de suas regiões, obtendo muitas vezes desempenho econômico abaixo da média nacional.
O resultado é que esses municípios apresentam as mesmas deficiências das outras cidades brasileiras não beneficiadas, como fornecimento de serviços insuficiente e de baixa qualidade, problemas de infraestrutura urbana, déficit de habitação e educacional, dentre outros.
Para corrigir este grave erro do passado, cabe ao nosso governo, beneficiado com a renda petrolífera, utilizá-la daqui para frente de maneira eficiente, promovendo o desenvolvimento das regiões e a melhora dos indicadores socioeconômicos. O melhor seria destinar algo como 80% dos recursos da compensação de petróleo e gás natural para constituir um fundo federal, administrado pelo BNDES, enquanto os 20% restantes ficariam a cargo da administração direta dos prefeitos. O fundo renderia dividendos pro-rata para as prefeituras através de uma cota de participação e financiaria os projetos apresentados por Estados e municípios que comprovadamente servissem para compensar os impactos socioeconômicos e ambientais presentes e futuros das atividades petrolíferas.
Desta forma, o destino a ser dado à exploração da riqueza do pré-sal e da produção brasileira em geral será uma nova oportunidade, uma segunda chance para refletir e revisitar diversos aspectos da distribuição de rendas públicas no Brasil. Em 2018, a recuperação do preço da commodity e a perspectiva do retorno da arrecadação de participações governamentais trazem promessas para que estes recursos sejam usados com sabedoria, o que não tem sido o caso até hoje. Este modelo serviria de estabilizador de receitas para gerações futuras e impediria que toda a riqueza vá para o ralo em gastos imediatistas e populistas.
Fonte: “Valor Econômico”, 15/06/2018