Um promotor de Vitória protocolou uma ação civil pública na última sexta-feira pedindo que as lojas de aplicativos do Google, Apple e Microsoft tornem indisponível o app de mensagens anônimas Secret, para brasileiros. Para o autor da ação Marcelo Zenkner, do Ministério Público do Espírito Santo, “a Constituição brasileira não permite o anonimato. Logo, esse aplicativo tem que ser extirpado”.
Zenkner afirmou ter sido procurado por vítimas de seu Estado que alegaram estarem sendo prejudicados por publicações feitas anonimamente no aplicativo. O promotor citou um aluno da escola de sua filha que teria deixado de ir à escola por boatos espalhados via Secret por colegas.
“A pessoa fica sofrendo ‘bullying’ sem saber quem o está atacando. É como estar em uma sala escura apanhando”, diz. O promotor diz também que o aplicativo, por não estar baseado no País, dificultaria a remoção de conteúdos que ofendam a imagem e a honra de seus usuários. “Há mecanismos de remoção, mas a reclamação deve ser feita em inglês. Para entrar na Justiça, o juiz daqui tem que mandar uma carta rogatória para um juiz americano via Ministério das Relações Exteriores, processo caro e lento. Quando se tem ofensa à honra, um dia que seja já é muita coisa.”
“Criou-se uma ferramenta de ataque a honra, ofensa, imagem sem que as pessoas pudessem se defender”, opina.
O serviço de mensagens anônimas é criticado ainda por não apresentar seus Termos de Uso e de Privacidade em português, o que feriria o Código de Defesa do Consumidor. O texto da lei diz que “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características”. Além disso, o consumidor brasileiro deve ter direito a “facilitação da defesa de seus direitos”.
Segredo
A ação civil (veja a íntegra do documento da ação civil pública.) cita o consultor de marketing Bruno Machado, que entrou com uma ação individual na Justiça pedindo o bloqueio ao aplicativo após ter tido fotos nuas e comentários sobre ele ser portador do vírus HIV e participar de orgias com amigos publicados na rede anônima. Zenkner afirma ter entrado com a ação civil pública para eliminar o aplicativo das lojas pois a ação de Machado não deve ter efeito coletivo.
O Secret é um aplicativo distribuído no Brasil pela App Store e pela Google Play. O usuário deve se logar a partir do seu número de celular ou conta do Facebook, e poderá publicar mensagens ou imagens sem que sua identidade seja revelada. Quando publicada, os outros contatos podem, no máximo, saber se o autor da mensagem é um amigo da sua lista de contatos ou se trata-se de um amigo de amigo. Entre os usos, muitos desabafos, revelações ou piadas. Há páginas como “Os Melhores Secrets” que reúnem alguns exemplos de postagens.
Delete
Além do pedido pela remoção dos aplicativos da lojas virtuais, o promotor determina ainda que as empresas responsáveis pelos sistemas operacionais (Apple e seu iOS, Google e o Android, Microsoft e o Windows Phone) removam os aplicativos já instalados em smartphones. A ação, inédita, seria possível tecnologicamente, segundo Zenkner, fato assegurado pelo especialista em segurança Gilberto Sudré, professor e membro do Conselho de Tecnologia da OAB-ES, único consultado pelo promotor. “Meu conhecimento é apenas jurídico, chamei o Sudré para dar seu parecer”.
Em resposta à reportagem, Google disse que não comenta casos específicos. Apple e Microsoft não comentaram o assunto. No último caso, o Secret não está disponível na loja de Windows Phone, mas sim um “client”, que executa virtual o aplicativo, chamado Cryptic.
A ação civil pública foi encaminha à 5ª Vara Cível de Vitória. Após receberem a notificação, as empresas terão 10 dias para remover o aplicativo e deletá-lo dos smartphones de seus usuários. A multa diária prevista por descumprimento é de R$ 30 mil.
“A minha expectativa é de que o juiz determine uma liminar (decisão que passa a valer mesmo antes de o caso ser finalmente julgado), exigindo a suspensão do aplicativo, ainda nesta semana”, diz Zenkner.
Limites
Para o professor e pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RJ, Luiz Fernando Moncau, as decisões sobre o assunto podem variar de acordo com a percepção do juiz em relação à Constituição brasileira, que veda o anonimato. “Tem gente que é muito mais literal. Isso conduziria a algumas interpretações como a de que uma pessoa que publica poemas com nome falso na internet está ferindo a lei. Outros entendem que é vedado o anonimato quando este fere direitos fundamentais.”
Ele explica que nos Estados Unidos, onde o Secret está hospedado, a cultura de liberdade de expressão “é completamente diferente da do Brasil” e permite o anonimato. “A vedação ao anonimato no Brasil é indiscutível, está na Constituição, mas também há formas de se ponderar em relação à liberdade de expressão”, diz, mencionando que o banimento do Secret pode abrir um precedente para a proibição a diversos programas e serviços virtuais que permitem a navegação e comunicação anônima, como o Tor.
“A redação da Constituição sobre anonimato visa evitar que pessoas possam causar danos de forma escondida, sem permitir a defesa. O Secret tem todas as informações dos autores, nos termos de uso e privacidade dele, ele diz que pode repassar os dados para um juiz caso seja solicitado. Logo, é possível quebrar o anonimato em favor de um usuário ofendido”, diz. “A ilusão do anonimato tem feito muita gente exagerar nas expressões de forma caluniosa.”
Além disso, o Secret faz uso do Google App Engine para armazenar as informações nele veiculadas. Isso faz com que os dados estejam abaixo de duas políticas de uso e armazenamento: a do Secret e a do Google, que poderia ser acionado pela Justiça para a entrega das informações.
“Sendo assim, o Secret é mesmo anônimo?”, questiona Moncau.
Sobre a exclusão remota dos aplicativos de celulares onde o app já está instalado, o professor da FGV diz “conseguir visualizar a possibilidade um juiz conceder”, o que, para ele, “daria um grau de autoridade complicado a essas empresas sobre todos nós”.
Moncau critica ainda a não tradução dos termos de uso e privacidade do Secret para o português. Para ele, faltou um trabalho essencial de localização do produto e serviço. “Contratos devem passar por isso. Se fosse feito uma análise anterior, talvez a empresa nem quisesse vir antes para o Brasil, já que o anonimato aqui é vedado”, diz, lembrando ainda do Marco Civil da Internet (Lei Nº 12.965), em vigor desde junho, que prevê que empresas que coletam, armazenam ou gerenciam dados de brasileiros respondam à legislação nacional.
Fonte: Estadão.
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