Na prática, o Orçamento da União hoje é uma gigantesca folha de pagamento, que tende a explodir nas próximas décadas.
Parte relevante de suas as receitas é “vinculada” a certas finalidades. Os gastos com saúde devem ter um crescimento mínimo ano a ano. Outras destinações são extremamente rígidas por definição, como no caso de pessoal e benefícios previdenciários e assistenciais.
Não há como deixar de pagar gastos obrigatórios como esses. E praticamente tudo isso está previsto na Constituição Federal.
É fato que, na época da inflação explosiva, nem a previsão constitucional era suficiente. O governo atrasava nas liberações de despesas e a corrosão inflacionária fazia com que sobrasse dinheiro no fim do ano. Com algumas despesas fixas em termos nominais, o governo aplicava as receitas extras como queria, sem que se soubesse ao certo como se dava tal distribuição.
Hoje, persiste a crença de que o único jeito de assegurar qualquer valor que tenha origem no governo é conseguir um dispositivo constitucional dizendo isso com todas as letras. Exemplo? A proposta de emenda constitucional com a qual o Congresso Nacional busca instituir o Orçamento impositivo.
Com inflação mais baixa e respeitadas as prioridades constitucionais, a execução orçamentária de 2012 revela o seguinte: 73,6% do total gasto pela União refere-se a pagamentos de pessoas, sendo 39,5% para os gastos da previdência geral; 10,2% para os inativos e pensionistas da União; 12,9% para o pessoal ativo; e 11% para os programas de assistência social.
Cálculos que eu e alguns parceiros fizemos em trabalho recente mostram que o percentual do PIB gasto com o total desses itens deve dobrar em 2040, seja em razão das regras altamente concessivas em vigor, seja pelo rápido envelhecimento da população brasileira, conforme previsto nas projeções do IBGE.
O resto do Orçamento vai para saúde (8,2% do total), “outros gastos correntes” (12,4%) e investimentos (5,8%). Nesta última parcela, 1,3% do total se refere a investimentos em transportes. Não é à toa que a infraestrutura brasileira está o caos que está.
Quanto aos setores melhor aquinhoados com recursos, como educação e saúde, estudos mostram que nossos gastos são similares aos de países de dimensão econômica e social comparável, embora de qualidade significativamente inferior.
Já no caso de previdência, gastamos absurdamente acima do que gastam países cujo percentual de idosos é parecido com o nosso.
Como era essa situação por volta da promulgação da Carta de 1988? A “grande folha”, pasme, era de apenas 39% do total, e na saúde se gastavam os mesmos 8% de hoje. Obviamente, os investimentos e os demais gastos correntes eram bem mais elevados.
De lá para cá, o Orçamento se tornou uma peça ineficiente de tal forma que, sem reformas, sua rigidez tenderá à explosão em futuro não muito distante. Sem um esforço para aumentar a eficiência e repassar tarefas relevantes ao setor privado, teremos sérios empecilhos ao desenvolvimento do país e crescente insatisfação dos contribuintes.
É nesse contexto que o Congresso tenta impor ao Executivo a emenda constitucional que reserva um pedaço do miniorçamento que resta depois que se retira a “grande folha” e os gastos em saúde, ou seja, 18,2% do total. Essa manobra –uma brincadeira de mau gosto– garantiria uma fatia de R$ 10 milhões da pizza orçamentária para cada parlamentar patrocinar algum gasto junto à sua base de apoio.
Se aprovada, essa medida significará um passo à frente em direção ao comprometimento total da receita da União. Estamos quase lá.
Fonte: Folha de S. Paulo, 10/08/2013
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