São vários os fatores que tornam bastante provável a prorrogação do auxílio emergencial, fora do teto de gastos, para além deste ano: alta inflação pesando na renda dos mais pobres e na popularidade do presidente, a inépcia política do governo em buscar uma solução para os precatórios –e abrir espaço para a reformulação do Bolsa Família respeitando o teto de gastos–, o atraso na aprovação do imposto sobre dividendos, que seria a fonte de financiamento desse programa, e o desejo de incorporar ao auxílio novas despesas, como o vale-gás, fora do teto.
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É a conjunção perfeita para que o gasto assistencialista continue livre da amarra fiscal, talvez durante todo o ano que vem. Os defensores dessa “solução” parecem pouco se importar com a falta de uma justificativa para tornar o auxílio uma despesa imprevisível e urgente neste momento. Com o avanço da vacinação e a economia operando praticamente sem restrições de mobilidade, tal benefício não serve mais como uma medida de suporte aos afastados do mercado de trabalho por conta do isolamento social.
Hoje o problema econômico é de outra natureza. Inúmeros postos de trabalho foram destruídos nos últimos meses, talvez de forma permanente. A pandemia escancarou a falha dos atuais programas sociais em servir como uma espécie de seguro contra intempéries para o trabalhador, principalmente os informais. Deixa, ainda, o legado de uma maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho, que cada vez mais exige qualificação.
Infelizmente, nada disso será resolvido ou mesmo amenizado com a extensão do auxílio —uma política não focalizada, com desenho e implementação deficientes. Dar dinheiro para os “invisíveis” era o que podia ser feito diante da imprevisibilidade e da emergência da crise sanitária. Hoje sabemos quantas pessoas perderam seus empregos com a pandemia. Esse número, aliás, é bem menor do que aquele dos que ainda estão recebendo o auxílio.
Não iremos atacar o problema da desigualdade crônica com simples transferência de renda. O Brasil precisa incluir efetivamente os mais pobres na economia e ter um plano de desenvolvimento para que eles se tornem mais produtivos e possam se beneficiar —mais do que a média da população— do crescimento econômico.
Mesmo o atual Bolsa Família não é capaz de resolver esse enorme desafio. Foi um primeiro passo para aliviar a pobreza extrema, mas agora temos de avançar em uma grande reformulação dos programas sociais existentes, como o abono salarial e o BPC, buscando maior eficiência e eficácia para o gasto público.
Uma política social só é bem-sucedida se respeitar os limites fiscais e estiver interligada com as demais áreas do governo (no mínimo com os Ministérios da Saúde, Educação e Trabalho). Deve buscar não apenas aumentar a escolaridade e o acesso à saúde, mas também elevar a produtividade e reduzir a informalidade.
A prorrogação do auxílio em 2022 é perigosa: significa a decretação do fim do teto de gastos, nossa única âncora fiscal. Quem acha ser possível cortar tal benefício em um ano eleitoral? Qual presidenciável defenderia o fim do auxílio com a economia desacelerando e os brasileiros vendo seu poder de compra se esvair?
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 06/10/2021
Foto: Gabriel Cabral/Folhapress