Este artigo não é sobre moral. É sobre economia e preconceito; portanto, coração forte.
Brasileiros barrados na Espanha são moda. Quando “fulanizados” como estudantes, o caso parece mais feio. Quando anônimos, ninguém se emociona. Um historiador brasileiro ficou retido numa sala da imigração nos Estados Unidos por falta de visto, em trânsito. Só ele se incomodou — escreveu um artigo reclamando.
Quando os “brazucas” iam para os Estados Unidos, oriundos, segundo a lenda, de Governador Valadares, todos achavam bonito e pitoresco. Agora temos pena porque estão tendo que voltar com a crise.
Ninguém se importa com moças brasileiras que resolvem ser faxineiras ou babás em qualquer país do mundo, mas todos se armam quando são profissionais do sexo. Jogar uma prostituta em qualquer discussão é a melhor maneira de embaralhar a conversa. Não sabemos quantas prostitutas brasileiras há na Espanha, mas sobre 536 prostitutas brasileiras em Portugal sabemos muito, graças a Ana Isabel Burke Alegre, que escreveu uma tese sobre elas, aprovada, com louvor, no seu Mestrado em Ciência Política (Direitos Humanos, Cidadania e Violência) em 2007, no UNIEURO.
Vamos aos dados: 44% (236) de 536 prostitutas brasileiras em Portugal, entrevistadas numa pesquisa, entraram pela Espanha… porque era mais fácil. A Espanha já foi menos rígida do que agora.
Prostituição não é crime em Portugal, nem no Brasil. Tráfico de pessoas é. Imigração ilegal também. Entretanto, de 536 prostitutas brasileiras entrevistadas em Portugal, 4 se disseram aliciadas; 527 não foram coagidas a fazer nada em Portugal. Somente dezessete se disseram traficadas. E mais, estavam felizes de lá estarem: 75% (403) não querem voltar imediatamente ao Brasil. Das 112 que querem voltar ao Brasil, no entanto, nenhuma aceitou ajuda ou auxílio para voltar. Ganham bem: cerca de 5.000 euros mensais. Não têm medo da polícia. Têm, porém, dos “fazedores do bem” que vivem atrás delas para “tirá-las dessa vida”. Quem aceita a oferta de proteção do governo, dizendo-se traficada, sofre uma queda brutal de renda: despenca de 5.000 para 800 euros mensais. A vida fica seis vezes mais dura. Sobra menos dinheiro para mandar para a família no Brasil, e dá-se adeus à acumulação de capital.
O problema não é que as moças foram traficadas para Portugal, porque a maioria não foi. O que realmente indigna as pessoas é que elas tiveram coragem de ir atrás do sonho da melhora de vida. Da mesma maneira que Willie Sutton roubava bancos porque era aonde o dinheiro estava, nossas moças audaciosas vão atrás do progresso pessoal aonde está o mercado. São as mais empreendedoras. Mandam dinheiro para as famílias. A maioria saiu de Minas e Goiás, estados que, até recentemente, não tinham vôo direto para a Europa. Fizeram um grande esforço para ir. Setenta e oito por cento (420) querem regressar ao Brasil. Querem acumular capital e voltar para ter uma vida mais tranquila. Uma decisão racional como a de qualquer capitalista empreendedor. Na volta, tocam a vida para a frente: compram imóveis, montam negócios e geram empregos.
A atriz Eva Longoria, a sirigaita do seriado Desperate Housewives, afirmou em uma entrevista que a depilação brasileira deixava-a muito mais sensual. Quase todos os salões que fazem a depilação brasileira em Nova York são de propriedade de brasileiras, todas bem-sucedidas. Secretamente, ficamos felizes.
Quando uma brasileira profissional do sexo aparece na imprensa envolvida na renúncia do governador de Nova York, Eliot Spitzer, secretamente ficamos felizes que uma compatriota tenha tido um papel tão importante em tão relevante evento. Observe-se o preconceito: o prestígio do cliente é que define a maldade da prostituta. Se o cliente for importante, pode: a prostituta é boa. Se não for, coitada dela. Que uma profissional do sexo brasileira aparecesse num rumoroso caso de sexo em Nova York era apenas uma questão de tempo. Chegou o ingrediente que faltava: o governador.
Para o bem ou para o mal, somos vistos como sensuais. O mercado valoriza isto. Não importa se verdade ou mentira, se bom ou ruim. O mercado vê os brasileiros assim. Por isso é que as profissionais do sexo brasileiras fazem tanto sucesso na Europa. Alan Dershowitz, professor de direito em Harvard, falando sobre o caso Spitzer, colocou-se de forma gentil. “Em matéria de sexo, nós [americanos] nos comportamos como brasileiros e falamos como vaticanos. Não estou ofendendo, estou?” (Veja de 19/03/2008)
Na versão grosseira (ou talvez realista), um funcionário do Departamento de Estado, que havia servido no Brasil, disse-me num almoço de negócios, arregalando os olhos, com um sorriso de orelha a orelha e com um sotaque carregado que “gostava muito do Brasil, sobretudo das meninas de fio dental.” E completou: “Mas, quando nossas filhas chegaram à adolescência resolvi pedir transferência do Brasil, pois não queria isso para elas.”
Ambivalência a respeito de prostitutas não é novidade. Em termos econômicos, prostitutas são um caso limpo: não concorrem com a mão de obra local nem fazem mal a ninguém. O problema, no fundo, é que não gostamos de deixar que os pobres enriqueçam, sobretudo através do sexo.
No Cemitério Israelita de Inhaúma, no Rio de Janeiro, estão enterradas 797 “polacas,” seus filhos e alguns cafetões, segregados e rejeitados pela comunidade judaica. A historiadora Beatriz Kushnir, judia, rompeu um segredo da comunidade judaica resgatando a memória dos judeus prostituídos. Sua tese foi aprovada, com louvor, na Universidade Federal Fluminense, em 1994. Hoje é livro: Baile de máscaras: mulheres judias e prostituição (Imago, 1996).
Precisamos varrer o preconceito contra mulheres empreendedoras, de qualquer nacionalidade.
(Publicado em OrdemLivre.org)
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