O deputado Vicentinho (PT-SP) é autor do projeto de lei nº 7299/2014, que visa a proibir a compra de publicações estrangeiras pelo setor público. Ele alega que não se deve “favorecer o mercado externo em detrimento das produções nacionais”. Assim, as universidades, os hospitais e outros órgãos ficariam impedidos de importar livros científicos e demais publicações gráficas. Jamais se foi tão longe no propósito de “proteger” a indústria.
O projeto reflete a cultura do protecionismo arraigada na sociedade brasileira. A ideia faz sentido apenas no estágio inicial da industrialização. A Europa agiu assim no século XIX, quando buscou reproduzir o êxito da industrialização da Inglaterra. Alexander Gerschenkron (1904-1978) mostrou que países europeus não possuíam as condições que viabilizaram a Revolução Industrial. Cabia ao Estado, assim, provê-las em favor da industrialização. A indústria nascente seria protegida por barreiras à importação e incentivada por meios como o crédito. Bancos públicos financiaram a industrialização da França, da Bélgica e da Alemanha.
No Brasil, a industrialização via substituição de importações começou na I Guerra e prosseguiu no período Vargas. Firmou-se depois da II Guerra sob a influência da Cepal e de seu “manifesto” (1949); “Duas guerras mundiais em uma única geração e uma grande crise econômica entre elas evidenciaram as oportunidades dos países da América Latina e apontaram o caminho das atividades industriais”.
A região se industrializou, mas grupos de interesse conseguiram perpetuar a proteção. Por isso, inibiu-se a inovação e seu papel na elevação da produtividade e na expansão do potencial de crescimento. A estratégia se esgotou nos anos 1980, vergada pelo peso da inflação, de crises cambiais e da concentração de renda. Tal industrialização pariu o “capitalismo de compadres”, expressão criada por Stephen Haber para definir o processo em que os negócios de pessoas politicamente conectadas geram para si resultados melhores do que se fossem conduzidos de forma competitiva. Assim, vale mais aproximar-se do governo do que se dedicar à gestão das empresas. Muito influentes, esses grupos preservam seus interesses e inibem mudanças institucionais que os contrariam.
Os efeitos negativos do protecionismo continuado justificavam a abertura da economia brasileira no governo Sarney, a qual foi ampliada por Collor e acelerada por FHC. A integração da indústria ao comércio mundial, dolorosa para muitos, contribuiu para sua modernização e para ganhos de produtividade que impulsionaram o crescimento no período Lula.
“Os países bem-sucedidos foram os que se engajaram no comércio exterior e aprofundaram sua integração com o resto do mundo”, dizem Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman no excelente livro Complacência — Entenda por que o Brasil Cresce Menos do que Pode (Elsevier Editora, 2014). “As nações se engajam em trocas porque ganham ao se especializar em vez de tentar produzir tudo domesticamente”, concluem. Infelizmente, grande parte da classe política e da esquerda teima em desconhecer tais evidências.
O governo atual sucumbiu à ideologia protecionista e ao lobby em prol do capitalismo de compadres. Ressuscitou velhas estratégias, como a exigência de conteúdo nacional mínimo em empreendimentos, caso do pré-sal. Indústrias que não se modernizaram são protegidas. Seus produtos costumam ser mais caros e menos eficientes. Incentivos que deveriam ser temporários se perpetuam.
O exemplo do sucesso da Coreia do Sul é incapaz de inspirar o rompimento da crosta do protecionismo. Entre 1960 e 2010, segundo Giambiagi e Schwartsman, a participação das importações no PIB coreano aumentou de 13% para 50% (dados mais recentes citam 54%). O crescimento do PIB per capita no período foi, em média, de 5,7% ao ano (mais do que dobrou a cada dez anos). No Brasil, essa relação é hoje dos mesmos 13% da Coreia do Sul de cinquenta anos atrás. Na década de 60, a renda per capita deles era inferior à do Brasil. Hoje é mais de duas vezes maior.
O projeto de Vicentinho é parte da enraizada cultura protecionista. Pode inibir o acesso ao conhecimento. Haja obscurantismo!
Fonte: Veja, 28/5/2014
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