Em sua primeira entrevista após as eleições, o candidato derrotado Fernando Haddad não só analisa o pleito deste ano mas arrisca previsões, bem como explicações para a derrota.
Gostei muito de “se eu tivesse no mundo evangélico o mesmo percentual de votos que tive no mundo não evangélico, eu teria ganho a eleição”. É o equivalente a “se todos os que não votaram em mim tivessem me escolhido, eu seria presidente”. Mas não é disso que queria falar.
Em determinado momento Fernando é questionado sobre a necessária autocrítica petista, ao que responde “não tem uma entrevista minha em que não tenha apontado um erro de diagnóstico, uma falha”.
Pode ser verdade, porque erros e falhas não faltaram na administração petista, mas, do ponto de vista econômico, nenhum prócer do PT, certamente não o Fernando, renegou o conjunto de políticas que nos levaram à maior recessão dos últimos 25 anos, que dobrou a taxa de desemprego e jogou de volta à pobreza 8,6 milhões de brasileiros entre 2014 e 2016.
Muito pelo contrário, quem teve a oportunidade de ler as propostas do programa petista, coordenado por Marcio Pinochmann, não teve a menor dificuldade de perceber que se tratava essencialmente da mesma Nova Matriz Econômica, posta em prática por Guido Mantega e seus asseclas, incluindo o nefasto Arno Augustin.
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A nova Nova Matriz trazia aumento dos gastos públicos, inclusive com eliminação do teto das despesas, intervenção no mercado de câmbio (“temos que ter estabilidade do câmbio em patamar competitivo”), uso dos bancos públicos, recursos do BNDES (agora acrescidos de reservas internacionais) para financiar obras de infraestrutura, fim do foco exclusivo do BC na inflação (e com sindicalistas participando da definição das metas para a inflação).
A lista poderia ser ampliada sem dificuldade, mas acredito que os leitores já pegaram a essência da proposta: a política econômica seria, no que interessa, a mesma aplicada durante o primeiro governo de Dilma Rousseff, que até mesmo Nelson Barbooosa, depois de muito refugar, admite ter sido um equívoco, reconhecendo que “o ajuste de 2015 foi necessário para corrigir os erros política econômica de 2012-14”.
Por mais que, ao longo do segundo turno, novas propostas fossem surgindo, nem tão depressa que parecesse covardia nem tão devagar que soasse como provocação, a triste verdade é que o partido e seus economistas permanecem presos ao keynesianismo de quermesse em sua expressão mais vulgar.
Obviamente não deveria ser, nem é, meu problema.
Por mais que o Fernando considere que foi a “elite econômica” quem botou o PT fora do governo, elegendo Jair Bolsonaro (devemos ser um país muito rico, em que 55% dos votantes fazem parte da elite econômica), é fato que a maioria da população rejeitou suas propostas (e aqui me refiro ao conjunto delas, não apenas as econômicas). Quem tem um problema é o PT.
Isso dito, se é para termos uma oposição séria, talvez fosse uma boa ideia modernizar um tanto o modelito de política econômica.
Nem é preciso ir tão longe: o próprio PT adotou, ainda que a contragosto (e abandonou assim que teve chance), o hoje amaldiçoado tripé macroeconômico, bem como as políticas sociais focadas, que um dia foram motivo para Maria da Conceição Tavares chamar Marcos Lisboa de “débil mental”, em ambos os casos com grande sucesso.
Não é preciso autocrítica; só melhorar um pouco a memória.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 28/11/2018