Na coluna da semana passada, apresentei as três carências institucionais ou os erros de arquitetura da zona monetária do euro. A união monetária foi um passo maior do que a perna, pois dado antes que a política completasse a construção do arcabouço institucional mínimo requerido para a sua existência.
Faltaram uma união bancária, uma união fiscal mínima para financiar o fundo garantidor de créditos e o seguro-desemprego e, finalmente, a criação de um papel de dívida soberana emitido pela autoridade fiscal que seria o ativo livre de risco do ponto de vista da regulação bancária prudencial.
Nesta coluna, apresento a forma pela qual a interação dessas três carências ao longo da primeira década de vigência do euro causou os desequilíbrios hoje observados.
A primeira década do século 21, período conhecido por “a grande moderação”, caracterizou-se pela queda dos juros de longo prazo em todo o mundo. Para os países do sul da união monetária europeia, que pagavam elevados prêmios de risco sobre o papel alemão, dois fatores contribuíram para que os juros de longo prazo se reduzissem ainda mais.
Primeiro, com a criação da moeda única, deixou de existir o risco inflacionário específico de cada país. Todos os títulos da dívida soberana, inclusive das economias do sul da Europa, herdaram a reputação do banco central alemão, materializada no Banco Central Europeu.
Segundo, o tratamento simétrico dado aos títulos de dívida soberana de todos os países que participam da união monetária europeia pela regulação bancária estimulou que os bancos europeus emprestassem mais do que o razoável aos governos do sul, que pagavam juros maiores. Esse estímulo forçou os prêmios de risco pagos por esses países para baixo. Ou seja, em um período de queda dos juros internacionais, a criação da união monetária em associação à falha regulatória de tratar os desiguais como iguais reforçou a pressão à queda dos juros nos países do sul.
O juro é o preço do endividamento. Quando ele cai, há estímulo a que os agentes econômicos acumulem dívidas. Na Grécia, houve forte elevação da dívida pública, na Espanha, da dívida privada, e, em Portugal, um pouco de cada uma.
Ocorre que uma sociedade só consegue se endividar contra o resto do mundo absorvendo na forma de consumo e investimento mais do que produz. A absorção de bens e serviços do resto do mundo em excesso à produção local só pode ocorrer na forma de bens e serviços que são passíveis de serem transportados internacionalmente. Isto é, algo que seja possível de ser colocado em um contêiner, e este, em um vagão de um trem de carga ou no interior de um navio cargueiro e transportado.
Na trivialidade da última frase, encerra-se boa parcela dos problemas vivenciados pela união monetária europeia. O processo de absorção de bens e serviços em excesso à produção doméstica necessariamente produz desequilíbrio entre oferta e demanda. Somente é possível absorver esse excesso na forma de bens transacionáveis, mas a sociedade deseja que parte dessa absorção ocorra na forma de bens não transacionáveis, essencialmente os serviços. Há, portanto, excesso de demanda por serviços.
Dado que o setor de serviços utiliza mais trabalho do que capital, o excesso de demanda por serviços pressiona o mercado de trabalho. Se a união monetária europeia fosse uma área monetária ótima, a pressão sobre o mercado de trabalho não teria maiores impactos.
A migração de mão de obra de outras regiões da união -como ocorre nos EUA ou no Brasil- impediria forte elevação de salários e, portanto, de custos nos países do sul.
Como a união não é uma área monetária ótima, pois, apesar de legal, a mobilidade do trabalho é relativamente baixa em razão das enormes barreiras culturais que ainda há, o processo de absorção em excesso à produção local acarretou elevação de salários e, portanto, de custos na região. Em média, o custo unitário do trabalho, a razão entre o custo e a produtividade do trabalho, elevou-se no período em relação à taxa no norte da união monetária em 25%.
Todos esses problemas ficaram encobertos pela exuberância irracional, ou a grande moderação, dos anos 2000. A crise de 2008 expôs os desequilíbrios. Na próxima coluna apresentarei a forma como vejo a dinâmica da economia da união monetária do euro desde a crise.
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