O papel da opinião pública, articulada em ONGs ou em redes sociais, no combate à corrupção, a necessidade de aperfeiçoamento da legislação anticorrupção, os efeitos do julgamento do mensalão e o projeto da Corrupteca – biblioteca digital com dados sobre corrupção -, são alguns dos assuntos abordados nessa entrevista com o professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), José Álvaro Moisés.
José Álvaro, que também é diretor científico do Núcleo de Pesquisas de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (NUPPs) e diretor geral do projeto da Corrupteca, alerta para a necessidade de uma mudança na cultura política do Brasil a fim de superar os problemas relacionados à corrupção. “Estamos falando de cultura política e todo processo de mudança cultural é lento”, explica.
Instituto Millenium: A ineficiência das instituições oficiais na fiscalização e na punição de casos de corrupção tem levado a sociedade civil a tomar iniciativas no sentido de combater esses crimes. Qual o papel dos cidadãos nesse cenário?
José Álvaro Moisés: A sociedade civil tem que estar informada e atenta aos casos de corrupção. Ela tem que cobrar das instituições, do Congresso Nacional e do Judiciário. Não existe um sistema democrático que funcione sem que as pessoas que fazem parte da democracia cobrem e reivindiquem o seu funcionamento.
A cobrança aparece de duas maneiras: a primeira é por meio da proposição de novas disposições legais, como no caso da Lei da Ficha Limpa, que foi uma reivindicação da sociedade. Nesse caso o Congresso foi forçado a aprovar a lei. Antes de Ficha Limpa, já existia a Lei da Improbidade Administrativa, que também foi uma proposição da sociedade civil. Então, uma maneira de atuação da sociedade civil é através da formulação de mecanismos através dos quais se podem controlar, evitar e punir a corrupção.
Já a outra forma de participação é a manifestação da opinião pública a respeito da maneira como devem ser conduzidos os processos relativos à corrupção. Isso apareceu de uma maneira muito forte no caso do mensalão.
Imil: Qual a importância da formulação de uma legislação anticorrupção mais específica?
José Álvaro Moisés: Já temos uma legislação anticorrupção no Brasil. Haja vista os casos do desvio de mais de R$ 300 milhões do INSS, que resultou na prisão de Georgina de Freitas por 14 anos; na devolução de parte do dinheiro e na mudança de identidade da ré, marcada na sociedade. Existe o caso do juiz Lalau, em São Paulo, que está em regime semiaberto. A legislação anticorrupção foi adotada pelo STF durante o julgamento do mensalão.
É evidente que a lei pode ser melhorada e aperfeiçoada. Um dos aperfeiçoamentos mais importantes é a diminuição da possibilidade de adoção de recursos por pessoas que estão sendo investigadas. Também é preciso ter muita clareza de que a corrupção envolve quem corrompe e quem é corrompido. Estamos falando de cultura política, e todo processo de mudança cultural é lento. Isso não ocorre do dia para a noite.
Imil: Qual o peso do julgamento e da condenação dos principais réus envolvidos no escândalo do mensalão. Qual a importância do julgamento para a moralização da política nacional e para o fortalecimento do Judiciário?
José Álvaro Moisés: Nenhum fato isolado em si mesmo representa uma grande mudança. O julgamento do mensalão está inserido em um contexto de mudanças que vem ocorrendo nos últimos 20, 25 anos no Brasil. Nós não tínhamos um Ministério Público tão forte, não tínhamos uma Polícia Federal com uma atuação independente do governo e com capacidade para investigar casos graves. A Corregedoria Geral da União não tinha a eficácia de agora.
Não obstante, recebendo e levando adiante a denúncia do Ministério Público, fazendo as averiguações e o processo de julgamento, o STF sinalizou com uma interpretação jurídica que pune casos de corrupção. Isso terá um reflexo nas instâncias inferiores ao Supremo. Ao mesmo tempo, o clima de jurisprudência e de punição levará os infratores a tomar mais cuidados. A influência do mensalão, portanto, está ligada a um conjunto de fatores que estão ocorrendo na sociedade brasileira.
Imil: O que é a Corrupteca?
José Álvaro Moisés: A Corrupteca é uma biblioteca digital com dois tipos mais importantes de dados. Primeiro são informações sobre casos específicos de corrupção existentes no Brasil. A USP fez um convênio com o jornal “O Estado de São Paulo”, por isso, temos acesso ao banco digitalizado do jornal, desde 1875. Evidentemente, estamos dando acesso aos casos de corrupção. O segundo canal de comunicação da Corrupteca é uma biblioteca digital de livros, teses, análises e relatórios sobre a corrupção baseada em um convênio com 1.453 bibliotecas do mundo inteiro.
Imil: Quais são os objetivos do projeto?
José Álvaro Moisés: Queremos oferecer uma ferramenta para quem quer pesquisar o tema seja do ponto de vista acadêmico, público ou simplesmente informativo. A contribuição da Corrupteca é aumentar o conhecimento da sociedade sobre o fenômeno da corrupção.
O nosso problema não são os casos específicos. A nossa questão é o impacto que a corrupção tem do ponto de vista político institucional na democracia brasileira. Esse impacto está diretamente relacionado a dois aspectos.
O primeiro aspecto é que um volume de recursos é retirado dos investimentos em políticas públicas, em particular as mais prioritárias. É difícil de calcular o montante de recursos desviados anualmente pela corrupção. Existem estimativas que falam em 10 bilhões de reais sendo desviados de recursos públicos. Outras falam em 15 ou mesmo em 20 bilhões.
O segundo aspecto é que a corrupção frauda o funcionamento do sistema democrático. Ela mostra uma ineficiência das instituições de controle e de fiscalização. Quando a corrupção favorece partidos políticos ela desequilibra a competição política e eleitoral. Ela também retira a legitimidade das instituições. Isso representa a dimensão do déficit que a corrupção impõe ao sistema democrático. Existe um déficit em termo de legitimidade e da crença dos cidadãos no funcionamento das instituições.
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