O jogo de 2014 começa a ser jogado. Os primeiros movimentos sinalizam a intenção por parte dos eventuais jogadores de sair da toca, correr o país, formar parcerias, consolidar alianças eleitorais, cada qual oferecendo as linhas mestras de discursos que embalarão o pleito. A presidente Dilma Rousseff, do alto de boa avaliação, exibe otimismo e os feitos do governo em muitas frentes, tarefa que já conta com o clarim tonitruante do ex-presidente Lula. O senador tucano Aécio Neves, do PSDB, sugere férias ao PT, apostando na polarização entre os dois partidos. O governador Eduardo Campos, do PSB, abre o portão para sair da casa governista, sugerindo em campanha publicitária que “o país nos pede para fazer muito mais”. Diante da demonstração de uma peroração de matiz eleitoreira, cabe perguntar: “é possível analisar com tanta antecedência a viabilidade política dos possíveis contendores e evitar erros de calculo político”? Sim. Quem garante é Carlus Matus, o papa do Planejamento Estratégico Situacional, que empregou sua bagagem como ministro da economia de Salvador Allende, no Chile (1965-1970). Tudo depende, segundo o cientista social, de saber jogar, pois “um jogador, mesmo tendo boas cartas em um jogo de baralho, pode não saber jogar e perder o jogo para outro que recebeu cartas inferiores, mas tem melhor estratégia de jogo”.
Planejar uma estratégia implica administrar um conjunto de variáveis, algumas complexas, outras imponderáveis. Mesmo assim, é possível alinhar fatores centrais que terão forte influência no próximo embate presidencial. Como é sabido, o fator econômico é o primeiro a ser considerado na análise de viabilidade. Foi ele que propiciou os mandatos de Fernando Henrique, de Luiz Inácio e a atual administração sob o bastão da primeira mulher a comandar o país. O Plano Real, que trouxe a estabilidade econômica, permitiu ao governo petista alongar os braços sociais e com eles implantar o mais abrangente programa de distribuição de renda e inserção social do mundo contemporâneo. O cinturão econômico é ciclicamente usado pelos governos para afrouxar ou apertar a barriga do eleitor. O X da questão resume-se na equação: BO+BA+CO+CA. Bolso (BO) suprido enche a geladeira, satisfaz a barriga (BA), massageia o coração (CO) e induz a cabeça (CA) dos bem alimentados a recompensar os patrocinadores do pão sobre a mesa. A recompensa? O voto na urna. O primeiro cenário que cobrirá a contenda de 2014 é, portanto, o da economia. Se o cinto econômico apertar o estômago social, pior para a presidente Dilma; a recíproca é verdadeira.
Os eventuais riscos que ameaçam a primeira mandatária se apresentam nas frentes do desemprego e da inflação. Bolso esvaziado provocará roncos (de fome) no estômago de contingentes desempregados. Sintoma que pode se agravar ante uma inflação que restrinja o menu do consumidor. Ou que o afaste de rotinas que prezava. É razoável imaginar que a manutenção do assistencialismo, mesmo com baixo crescimento do país, consiga manter a boa avaliação da presidente Rousseff, dando sustentação à hipótese de que “pibinhos” não desestabilizarão o produto nacional bruto da satisfação social. O perigo mesmo é o bolso vazio, o desemprego em massa, a alta inflação. A segunda ordem de fatores com peso no tabuleiro situa-se nas frentes dos serviços públicos, que costumam afetar diretamente a população. Inserem-se aí demandas e deficiências nas áreas da saúde e educação, a insegurança pública, que assume graus de indignação na esteira de eventos de alto impacto social, como estupros, assassinatos de crianças, gangues assaltando a torto e a direito. Os serviços públicos no país exibem fortes traços de corrosão, não chegando, porém, a provocar mobilização face ao cobertor protecionista estendido pela administração federal. O “ponto de quebra” do sistema seria um cinturão econômico muito apertado.
A terceira vertente a influir no pleito é a da política. Neste caso, estarão em jogo articulações partidárias visando ganhos de espaços na mídia eleitoral, criação de novos partidos e reordenação de forças congressuais. Algumas pedras começam a se movimentar no tabuleiro. Percebe-se a formação de três novas siglas – a Mobilização Democrática – resultante da fusão entre PPS e PMN; a Rede Sustentabilidade, da ex-senadora Marina Silva, para abrigar sua eventual candidatura à presidência; e o partido Solidariedade, sob a égide da Força Sindical. O primeiro é uma alternativa para propiciar a saída de parlamentares insatisfeitos nos atuais partidos e brecha que perfis proeminentes, como o de José Serra, podem aproveitar para trocar de moradia. A criação de uma entidade, por meio de fusão, permite o troca-troca partidário sem apenar parlamentares. Quanto mais candidatos de bom potencial, mais viável a hipótese de um segundo turno, cenário que aumenta as chances de sucesso do bloco oposicionista.
Por último, descortina-se o fator novidadeiro. Nele se abrigam perfis identificados com inovação, capazes de sepultar o status quo e sinalizar a abertura de um novo tempo, e discursos impactantes. Nem sempre os “novos”, porém, conciliam identidade e imagem. O que se vê é mercador tentando vender gato por lebre, principalmente quem, até ontem, figurava no velho álbum da política. Esse é o desafio dos novos – velhos. As circunstâncias ditarão as cores das vestes de candidatos, fazendo distinções entre eles. Fechando a planilha, depara-se com a imponderabilidade, espaço das coisas imprevisíveis, onde verso e anverso se cruzam conferindo à política o lugar onde tudo é possível. Aos que já começam a ensaiar jogadas arriscadas, aconselha-se distinguir o que pode ser feito do que deve ser feito e, sobretudo, ter a capacidade de formular, decidir e melhorar o que funciona razoavelmente. O conselho final aos protagonistas vem de Carlos Matus: pensar com a cabeça e arremeter com o coração, evitando a síndrome do touro, que faz exatamente o contrário.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 21/04/2013
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