Chegamos à quarta nota da série de cinco artigos sobre a evolução do gasto do Tesouro e do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) no Brasil, iniciada com uma apresentação geral do assunto e continuada com artigos sobre as transferências a Estados e municípios e, posteriormente, sobre as despesas com pessoal. Antes de encerrar no próximo mês com uma discussão sobre o tema dos demais gastos, vamos hoje nos deter sobre a trajetória das contas do INSS.
Nos últimos 19 anos, usando o deflator do Produto Interno Bruto (PIB), o desempenho da rubrica de gastos com benefícios previdenciários e acidentários do INSS implicou uma variação média real, entre 1991 e 2000, de 7,2% ao ano, muito superior ao crescimento do PIB no período, de 3,2% ao ano, supondo, para 2010, uma hipótese de crescimento do PIB de 7,8%. As taxas médias anuais de crescimento dessa rubrica de gasto, em cada período, foram, em termos reais, de:
1991/1994: 16,5%
1994/1998: 5,5%
1998/2002: 4,4%
2002/2006: 7,7%
2006/2010: 4,5%
Em cada um dos períodos, houve a ação de alguns elementos específicos. No começo da década de 1990, o governo pagou atrasados importantes e verificou-se o “boom” de aposentadorias rurais, após a regulamentação do capítulo previdenciário da Constituição, em 1991.
A taxa de 1994/1998 é afetada pela distorção associada à revisão da série histórica do PIB a partir de 1995, que “inflou” naquele ano o deflator do PIB usado na estatística, deprimindo algo artificialmente a taxa média de expansão das variáveis deflacionadas por esse indicador – o que significa que, se não fosse esse fato, o número seria maior.
O dado de 1998/2002 reflete os rigores do ajuste fiscal da época, na forma de contenção do incremento real do salário mínimo, bem como a explosão dos preços no segundo semestre de 2002, que causou perdas reais importantes.
O número de 2002/2006 é algo “inchado” pelo crescimento vertiginoso do auxílio-doença por alguns anos, bem como pelo aumento das despesas associadas a sentenças judiciais.
Por último, a redução da variação real nos últimos anos espelha a queda absoluta do número de beneficiados pelo auxílio-doença, uma vez que, na atual gestão, o governo passou a tomar as medidas gerenciais cabíveis para combater a proliferação de fraudes que, evidentemente, estavam ocorrendo na concessão desses benefícios a partir do começo da década até 2005/2006.
O resultado dessa combinação de fatores é que, como mostra a Tabela 1, a cada fim de governo, o peso das despesas com benefícios se revelou maiores que no fim da administração anterior, com exceção de 2010, face ao maior crescimento médio da economia no período 2007/2010.
No conjunto das duas décadas, essa conta passou de 3,4 % do PIB em 1991, para 7% do PIB em 2010. As razões dessa dinâmica, em linhas gerais, foram três: 1) a generosidade da legislação brasileira, que comporta aposentadorias a idades muito precoces comparativamente ao resto do mundo; 2) os diversos aumentos reais do salário mínimo ao longo dos últimos 15 anos; e, naturalmente, 3) o baixo crescimento do PIB na média do período.
As despesas do INSS do governo central em porcentagem do PIB, de acordo com levantamento da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) foram as seguintes:
1991: 3,4
1994: 4,9
1998: 5,5
2002: 6
2006: 7
2010: 7
Esta última consideração, combinada com a estabilidade observada no indicador da tabela entre 2006 e 2010, quando o dinamismo da economia foi maior que anteriormente, pode levar algum leitor a imaginar que o quadro previdenciário é tranquilizador. Nesse sentido, porém, convém se deter um pouco em outros dados. Cabe registrar que a média de crescimento da despesa real com benefícios e do número destes nos 10 anos 2000/2010 foi de 5,9% ao ano e de 3,4% ao ano, respectivamente. Portanto, o crescimento real do gasto do INSS no período foi quase 75% superior ao do número de benefícios, por conta dos aumentos reais do piso previdenciário.
No futuro, a variável-chave será o crescimento. Se o país crescer 5% ao ano, tudo fica mais fácil
Já nos últimos quatro anos, o desempenho foi muito afetado pelo que ocorreu em 2008, quando a despesa previdenciária se manteve basicamente estável, em função da contração física de 13% do número de benefícios do auxílio-doença, fenômeno dificilmente passível de repetição nos próximos anos.
No futuro, a variável-chave será o crescimento econômico. Se o país crescer 5% ao ano indefinidamente, tudo fica mais fácil, sem dúvidas. Por outro lado, se a tendência for que, ao longo do tempo, o crescimento do país convirja para uma taxa menor (em torno de 4%, por exemplo, entre outras razões pelo menor crescimento da população ativa) ao mesmo tempo em que o crescimento do número de benefícios se aproxime de 4% e os aposentados que ganham salário mínimo permaneçam recebendo aumentos reais todos os anos, a relação despesas do INSS/PIB tenderá a ser, a cada fim de governo, maior do que quatro anos antes. A pergunta que caberia fazer, nesse caso, é: qual é o limite?
Os políticos têm a palavra. Ou será que vamos financiar nossas aposentadorias com 20 anos de receita do pré-sal e deixar a conta para ser paga pela geração de nossos filhos?
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2011
No Comment! Be the first one.