O Brasil está construindo um novo passado. É aquele descrito por Dilma Rousseff – no tempo em que ela falava – como a nova inauguração da pátria: o momento em que o operário chega ao Planalto e liberta os brasileiros das elites egoístas. Se a história do grito de “independência ou morte” colou, a fábula petista não tem por que não funcionar também. E, enquanto o país se distrai com a falsa polêmica do salário mínimo, os companheiros tomam suas providências para copidescar a memória nacional.
Lula, a lenda viva, esteve no Rio de Janeiro a passeio. “Vim rever amigos”, declarou o ex-presidente. Os primeiros “amigos” que encontrou foram o presidente do IBGE e um economista da Fundação Getulio Vargas. Como se sabe, o Brasil não estranha mais nada. Mesmo assim, fica a pergunta: que reunião é essa?
O que faz um ex-presidente da República, recém-desencarnado, em reunião privada com o presidente do IBGE, que serviu a seu governo e serve ao da sua sucessora? “É para ficar informado de coisas que tenho que me informar”, disse Lula. O que seria isso? Luiz Inácio da Silva, pessoa física, é cliente do IBGE? Ou foi recebido na condição de mito onisciente? Ou será que o presidente do IBGE presta consultoria a curiosos?
Completando o cozido institucional, figurava na reunião um representante da FGV – que produziu papers em série, com dados do IBGE, sobre as maravilhas estatísticas do Brasil pós-2003 (o ano zero). A redução da pobreza começou com o Plano Real, em 1994, mas os cortes da FGV não acham muita graça na pré-história do lulismo. Com essa amizade toda, nada mais natural que um papo amistoso numa tarde morna do Rio. Até porque o IBGE e a FGV precisavam mesmo se encontrar para informar Lula de que ele é o cara.
Não que ele não soubesse disso. A questão é como imprimir o outdoor, da melhor forma, na história oficial. Para isso, vem aí o Instituto Lula da Silva, uma espécie de templo da verdade petista. Ali repousará todo o aparato acadêmico e estatístico cortado sob medida para o chefe – um grande quadro impressionista da revolução que devolveu o Brasil aos brasileiros. E os números não mentem (especialmente quando bem adestrados).
O Instituto Lula promete ser mais lucrativo que a butique Che Guevara. Vai chover milionário culpado querendo lavar sua reputação nas barbas do gladiador dos pobres. Virão seminários, estudos, livros, um banho de verniz científico para o lulismo – abrindo caminho para farta colheita de votos, cargos e negócios para os correligionários do bem. O instituto ainda não tem logomarca, mas o charuto de Delúbio Soares seria o símbolo perfeito.
A disseminação da verdade petista vai muito bem, obrigado. Adolescentes e jovens voltam da escola e da universidade explicando como foi que Lula reinseriu o Brasil no mundo. Se você diz a eles que num dado momento, depois de Cristo e antes de Lula, o país tirou sua moeda do lixo, deixou de rasgar contratos e saiu do anedotário internacional, eles te olham atravessado. Não foi isso que o professor bonzinho disse a eles. O professor é legal, você é reacionário.
A nova verdade é tão bem assimilada que até o ministro da Fazenda pode fantasiar livremente. Ninguém liga. Ao ser reempossado no ministério, Guido Mantega deu uma palestra com slides. A exposição do economista continha trechos poéticos como “graças à Nova Política Econômica e Social iniciada no governo Lula” o Brasil vai se desenvolver em patamares mais elevados. Em planilhas criativas, o ministro relacionava o PAC com o aumento do PIB – o que levaria qualquer estudante de economia à reprovação sumária (a não ser que o professor fosse um amigo da FGV).
Se o ministro da Fazenda pode chutar à vontade, ninguém haverá de se importar com um ou outro retoque na história oficial. O filho do Brasil perdeu o Oscar, mas jogando em casa ele ganha todas.
Publicado na revista “Época”
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