Inflação baixa é precondição para o crescimento sustentável, disse em São Paulo o diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Carlos Hamilton Araújo, citando a experiência internacional em apoio de sua tese. Quanto mais baixa a inflação, acrescentou, menor é o prêmio de risco e maior o horizonte de planejamento e de investimento. Se isso é verdade, falta ao Brasil uma das condições para uma expansão econômica segura, exceto se uma inflação igual ou superior a 4,5% – e bem superior, em 2011 e 2012 – for classificável como baixa. A meta de 4,5% entrou em vigor em 2005, deve ser mantida até 2014 e foi superada em cinco dos últimos oito anos. A relação inclui este ano, porque até novembro o IPCA, referência da política oficial, já subiu 5,01% e deve continuar em alta acelerada até o fim deste mês. Embora o pessoal do BC continue apostando numa convergência para o centro do alvo até o terceiro trimestre de 2013, suas ações indicam alguma preocupação. Há gordura no câmbio, disse o diretor de Política Monetária, Aldo Mendes, indicando a intenção de manter o dólar abaixo de R$ 2,10, provavelmente mais perto de R$ 2,05. Um dia depois, na terça-feira, o presidente do banco, Alexandre Tombini, chamou a atenção para o custo inflacionário e para o risco embutido na depreciação cambial: ganha-se algo com a desvalorização da moeda, mas perde-se com a inflação, disse ele em depoimento no Senado.
Essas declarações podem parecer meras manifestações de bom senso, mas chamam a atenção por sua raridade. As atas do Comitê de Política Monetária (Copom) às vezes deixam entrever alguma preocupação com pressões de demanda ou de custo, mas a inflação quase nunca é apresentada de forma clara e direta como um problema importante e vinculado à expansão do crédito, ao gasto público, à elevação da renda disponível e à gestão cambial. As pressões inflacionárias dos últimos 12 meses foram em geral atribuídas à elevação dos preços internacionais das commodities, principalmente das agrícolas. Essa explicação foi mantida mesmo com a persistência de índices de difusão frequentemente em torno de 66% – um sinal claro de amplo contágio dos aumentos. Obviamente, esse contágio depende da demanda e aponta condições favoráveis à alta de preços e salários.
A tolerância começa no próprio governo. A insistência na meta de 4,5%, bem mais alta que a fixada em outros países, revela a acomodação das autoridades a uma inflação fora dos padrões internacionais. A aceitação ocasional de uma taxa mais alta é justificável quando se trata de evitar uma recessão, ou quando a política anti-inflacionária impõe um sacrifício muito grande para um resultado insignificante. Nenhum desses argumentos é aplicável ao caso brasileiro.
A tolerância tem sido um mero complemento da política fiscal expansionista, ou seja, da pouca disposição para a austeridade fiscal. Autoridades têm usado a palavra “contracíclica” de forma abusiva, quando descrevem sua política. Esse adjetivo seria aplicado corretamente se o governo tivesse o hábito de criar reservas fiscais nos anos bons para gastar em tempos difíceis. Não há nada parecido no Brasil. Quando a situação se complica, a solução é simplesmente marretar o resultado, aplicando descontos à meta fiscal e recorrendo a pequenos truques, como a adição de um volume extra de dividendos de estatais à receita do Tesouro.
Como resultado, a economia brasileira tem crescido menos que a de outros emergentes e acumulado taxas de inflação bem maiores. As comparações com países como Chile, Colômbia e Peru têm sido recorrentes e o contraste poderia ser mais forte, se o confronto envolvesse alguns emergentes da Ásia. Nada pode justificar uma inflação superior a 5% neste ano, com uma expansão econômica próxima de 1%.
O Brasil está em transição, diz o governo, e essa afirmação é aceita por alguns analistas. Algum tempo será necessário, argumenta-se, para começarem a produzir efeito a mudança cambial, a redução de juros e as novas políticas de investimento e de redução de custos. Mas o câmbio real depende da inflação, uma obviedade mencionada publicamente, afinal, pelo presidente do BC. Se ele a mencionou, foi porque era tempo de chamar a atenção para o detalhe. Se essa preocupação for para valer, haverá uma limitação a mais para a política de crescimento. Além disso, os planos de investimento ainda vão depender do bom senso, da capacidade de coordenação e da competência gerencial do governo, virtudes até agora exibidas com muita parcimônia.
De toda forma, o reconhecimento da inflação como um problema e também como um limite para a política de câmbio é uma novidade promissora. Falta ver se a presidente Dilma Rousseff, condutora real da política econômica, será menos voluntarista e passará a dar mais atenção a detalhes desse tipo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 12/12/12
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