O público pensante brasileiro, ainda não exatamente uma grande maioria, está gostando do estilo Dilma de governar por causa de suas poucas palavras. A presidenta vem aposentando o dispersivo falatório lulístico, que até teve sua razão de ser em algum outro momento pretérito, em que faltava confiança. O Brasil agora anseia por ações, propostas sérias, mudanças para valer. Até o pipoqueiro da esquina desconfia que paga impostos demais por serviços de menos.
Qualquer contribuinte do INSS também sabe que aportará recursos bons para um sistema que não garante nada no futuro, pois o atual regime de aposentadorias é destituído de qualquer lastro, funcionando na base da promessa vazia de um futuro oco. Daí a vontade de ver transformações reais.
Dilma tem, no entanto, um grande pepino político pela frente, que é o “não porque não” de seu principal partido de sustentação, o PMDB, cuja negativa diante de reformas virou uma espécie de bandeira. O partido histórico das mudanças, que um dia levantou a tese corajosa das liberdades democráticas, virou o centro velho das contrarreformas. Dilma tentará cumprir a palavra com o povo que a elegeu, mas seu tempo é curto. Ela entrou no jogo sem definição clara do que pretende fazer em matéria previdenciária, tributária, trabalhista ou de controle de despesas. A falta de clareza é arma na mão dos políticos do “não porque não”. Cada dia que passa, avança o exército dos interessados em manter o paquiderme da máquina de governo do mesmo jeito que o acoberta.
Sabemos que Dilma não quer, neste momento, aumentar o custo de sua negociação de cargos no segundo escalão – mais uma onerosa conta de milhares de sinecuras comissionadas com as quais o governante compra, a peso de ouro, o “sim” nas difíceis votações no Congresso mais caro do mundo ocidental. Não obstante, a prudência presidencial tem seu preço agravado pelo tempo decorrido. Num abrir e fechar de olhos, Dilma estará diante do balanço de seus primeiros 100 dias. Outro piscar d’olhos, e será um ano de governo e a nova batalha pelas prefeituras em 2012 a sua frente. Bem fez a presidenta de arrojar-se pelo menos num campo, o previdenciário, ao acenar com uma redução significativa da alíquota maluca de 20% hoje cobrada aos empregadores sobre sua folha de pagamentos. Esse é um dos tributos mais estúpidos na extensa coleção de canalhices tributárias inventadas por governos militares e civis desde os anos 80. Nisso os governos têm sido parecidos, sempre prometendo rever a incompreensível estrutura tributária nacional, mas sempre recuando em razão de um argumento torto qualquer.
Ao tentar mexer no vespeiro previdenciário, fonte inesgotável de mentiras oficiais, Dilma terá de afiar seus argumentos. Logo de saída, esclarecendo que os 20% de contribuição sobre a folha, embora recolhidos pelo empregador, são, antes de tudo, um ônus do empregado. Isso fica claro com a pergunta: faz diferença ao patrão recolher ao INSS ou pagar ao empregado para que ele recolha a contribuição? Diferença nenhuma! Portanto, é o empregado que paga a contribuição; o empregador apenas a recolhe, assim facilitando a cobrança sem choro. Daí ser fundamental que Dilma desonere a folha de pagamentos como um todo. Já que vai mexer, o ideal seria que ela propusesse a troca na base de incidência da contribuição “do empregador”. Sairia da folha para o chamado “lucro da operação”, que no mercado se conhece pela sigla “lagida” (ou, em inglês, ebitda). Nesse caso, a vantagem salarial do empregado seria máxima, com parte desses 20% podendo ser reintegrada ao salário líquido, algo que qualquer sindicato inteligente faria questão de levantar como bandeira.
O tema tem complicadores. Ressalto ao paciente leitor que o Brasil só não terá uma grande reforma previdenciária se a falta de imaginação de uns se aliar à maldade política de outros para nos tapear com a falsa tese da impossibilidade de mexer no que, há décadas, funciona mal e porcamente.
Publicado na revista “Época”
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