Enquanto os investimentos desabam e o Produto Interno Bruto (PIB) rateia, continuam a aparecer notícias sobre o desempenho problemático das concessões de infraestrutura aprovadas desde 2007. A infraestrutura de transportes não se expande, deixando de ampliar a capacidade de produção interna e fazer a produtividade geral crescer. E a conta vai para os usuários e para o crescimento econômico futuro.
De acordo com o ex-ministro Delfim Netto, um interlocutor da presidente Dilma Rousseff, as intenções do governo parecem ser as melhores possíveis. Imagino mesmo que, nas reflexões sobre o travesseiro, a presidente deseja que se cobrem as tarifas mais baixas possíveis e que as concessões sejam implementadas pelas melhores empresas da praça. Mas o fato é que em todas as concessões rodoviárias de 2007 para cá, em que houve mudança do modelo pré-Lula, o desempenho está abaixo da crítica.
Tudo bem que agora se façam leilões pela menor tarifa, em vez da outorga máxima. Mas existe um defeito fundamental no atual modelo, que está na raiz dos resultados ruins. Trata-se da busca não da menor tarifa possível, mas da menor tarifa imaginável nos negócios – ou da menor taxa de retorno imaginável. A presidente pode estar pensando na primeira mas, na prática, a ação governamental busca a segunda. E há uma distância enorme entre as duas posições. Essa exigência está condicionando todo o processo de implementação das concessões e dificilmente produzirá uma concessão que se considere razoável.
Imaginemos uma concessão rodoviária em cujo leilão só se candidatem concessionários preparados ou não oportunistas. Diante do edital, esses candidatos prepararão propostas da melhor qualidade e estabelecerão a tarifa mínima possível em função dos parâmetros do negócio e das oportunidades alternativas disponíveis no Brasil e no mundo. É assim que o sistema de mercado funciona: vence o que oferecer a menor tarifa possível, de acordo com as hipóteses de cada um. Se o governo fincar pé na menor tarifa imaginável – algo abaixo do razoável, como vem acontecendo – o resultado é simplesmente o leilão fracassar, sem qualquer vencedor. O mesmo raciocínio pode ser feito substituindo tarifa por taxa de retorno, já que uma implica a outra. Nesse caso, o governo teria de repensar seu modelo ou enfrentar a opinião pública, que clama por mudanças relevantes na infraestrutura.
A presença de concorrentes despreparados – para não dizer oportunistas – pode alterar esse quadro, pois estes podem aceitar taxas de retorno (tarifas) irrealistas – e assim vencer os demais -, na expectativa de obter algum “refresco” mais adiante sob alguma forma, como o mero descumprimento de compromissos de investimento. No final, o serviço fica precário, mas o governo, que sempre teme o desgaste político de anunciar o fracasso, pode apregoar que conseguiu aprovar uma concessão. Só que garantia de resultado para valer, com satisfação máxima do usuário, nem pensar.
Imaginando um edital bem feito de uma licitação, há fases que, idealmente, devem ser transpostas antes do leilão em si. A primeira é a pré-qualificação, para separar o joio do trigo. A segunda é a proposta técnica e a terceira é o plano de negócios, que às vezes são chamadas conjuntamente de plano de negócios. É aqui que os proponentes explicam direitinho como vão por em prática aquilo que o governo especificou como missão no respectivo edital. Só aqui pode se fazer um julgamento adequado sobre se os pré-selecionados entenderam bem a tarefa a ser executada, e se estão realmente em condições de implementá-la.
A última tarefa é o leilão em si. Ainda que pareça se justificar pela maior agilidade que imprime ao processo, a prática de “inversão de fases”, que vem sendo adotada desde algum tempo e coloca a última fase à frente das demais, se afigura como mais uma prática destinada a facilitar a atuação dos despreparados.
Se uma proposta ganha pelo menor preço porque ela não incluiu elementos importantes daquilo que o governo quer e assim reduziu seus custos, esta deve ser impugnada administrativamente. Só que, mais uma vez, o governo teme a reação dos órgãos de controle à rejeição da proposta de menor preço. Se o interesse do usuário e os ganhos macroeconômicos são prioritários, é obviamente preferível um processo mais demorado, mas que chegue onde se quer, e essa é a arma com que o Executivo deve enfrentar os demais poderes.
É chocante, assim, o anúncio de que, a partir de agora, além da inversão de fases, os planos de negócios não serão mais exigidos dos concorrentes (!?), nem mesmo para ganhar o leilão, para evitar contestações judiciais. Trata-se da crônica de um desastre anunciado. Com tantos equívocos, ou as empresas preparadas passam a adotar as manhas e artimanhas dos oportunistas, como induz o governo ao alterar as regras, ou então assistirão passivamente à vitória dos concorrentes despreparados.
Quem perde sempre é o usuário, que vai pagar pela concessão e não vai levar. E o governo obtém uma vitória de pirro. Baixa o preço, mas não consegue levar transformações ou qualquer melhoria à rodovia e, mais cedo ou mais tarde, cairá na armadilha de ter que assinar aditivos para “reequilibrar” um contrato que sequer tinha a salvaguarda de um plano de negócios.
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