O Projeto de Lei (PL-595/2003), que flexibiliza a transmissão do programa “A Voz do Brasil”, está pronta para votação no Plenário da Câmara dos Deputados. O PL determina que a transmissão do programa, apesar de continuar obrigatória às rádios, poderá ser realizada entre 19h e 22h pelas emissoras comerciais e comunitárias. A transmissão será mantida às 19h para emissoras educativas.
O texto do projeto define ainda que as rádios que optarem por transmitir o programa em horário diferente das 19h deverão informar esta opção ao ouvinte. Segundo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), o PL não foi votado nas últimas duas semanas porque a pauta de votações da Câmara esteve trancada por falta de acordo sobre a proposta que destina recursos dos royalties do petróleo para a educação.
Para aprofundar o tema, o Instituto Millenium conversou com o jornalista Eugênio Bucci, que enxerga na obrigatoriedade da transmissão do programa um “resquício autoritário perpetuado na legislação brasileira”. Para o professor de comunicação da USP, “A Voz do Brasil não cumpre nenhuma função de interesse público”.
Instituto Millenium – O Brasil revogou a Lei da Imprensa, que data do período militar, apenas em 2009. Ainda hoje vigoram leis ou determinações oficiais anacrônicas que prejudicam o funcionamento da comunicação no Brasil?
Eugênio Bucci – Alguns vazios que foram abertos precisam de algum nível de regramento, não por dispositivos legais ou marcos regulatórios, mas sim pela autorregulação. Um exemplo disso é o direito de resposta. A velha Lei de Imprensa falava sobre isso, a Constituição trata disso, mas o mecanismo mais eficiente está fora da legislação, deveria ser algo de determinação dos próprios meios de comunicação e das entidades. Acredito que a Associação Nacional de Jornalistas (ANJ) poderia orientar seus integrantes a respeitar esse direito com maior eficácia. A questão do direito de resposta não está neste capitulo de anacronismo, mas é um velho hábito, neste caso arrogante, que bloqueia o debate e deveria ser superado numa sociedade mais moderna.
Do outro lado, um dos mais gritantes casos de resquício autoritário que ainda permanece na legislação é “A Voz do Brasil”, um programa transmitido obrigatoriamente todos os dias pelas emissoras de rádio. O programa não cumpre nenhuma função de interesse público, não atende a nenhum direito dos cidadãos, só se mantém no ar pela resistência de uma mentalidade que se acomodou no dispositivo legal do período autoritário da era Vargas. Acho que “A Voz do Brasil” deveria ser tombada como patrimônio imaterial dos delírios autoritários da história do Brasil.
Imil – A flexibilização no horário já é um avanço?
Bucci – É melhor do que nada, mas o ideal seria tornar “A Voz do Brasil” um programa cuja retransmissão fosse voluntária. As emissoras devem ter essa liberdade. Essa obrigatoriedade é ruim para o programa e para os poderes da República, que ficam com uma imagem antipática, velha e sem capacidade de comunicação.
Imil – Há políticas prejudiciais à comunicação em pauta ainda hoje?
Bucci – Primeiro eu gostaria de falar sobre a figura do Estado anunciante, que prejudica em muito a democracia da comunicação no Brasil. A rubrica de verba pública que mais cresce no nosso país é a compra de espaço comercial em veículos para campanhas publicitárias de governo nos níveis federal, estadual e municipal. Gasta-se uma fortuna anualmente para pressionar veículos de comunicação. Há uma série de jornais e emissoras médias que muitas vezes são dependentes da verba publica. É uma ferramenta pela qual o poder pode inibir, coibir, intimidar, chantagear, cooptar e direcionar o conteúdo das emissoras e jornais. Deveria haver limite para investimento de dinheiro publico em tetos publicitários.
Outra determinação que prejudica a liberdade de imprensa é a emenda constitucional que restitui a obrigatoriedade do diploma jornalístico para o exercício da profissão. A função de publicar jornais deve estar acessível a todos os cidadãos, sem nenhuma restrição legal. Isso é a livre manifestação do pensamento que figura no artigo 5º e no artigo 220º da Constituição. Se o Estado passa a exigir diploma do editor de qualquer jornal, ele está diferenciando os cidadãos e concedendo privilégios a alguns. Por mais que eu, como professor de jornalismo, ache essencial a boa formação dos profissionais de imprensa, não consigo aceitar o argumento de que para uma pessoa editar política, esportes ou o tema que for, ela precise ter graduação em jornalismo. Isso cerceia a população de editar as informações. Eu defendo todas as medidas para melhorar o ensino de jornalismo e proteger a liberdade de imprensa, nesse caso, a aprovação do diploma é prejudicial a universalização do acesso a comunicação e aos debates.
Direntemente no nobre jornalista, penso que pela natureza de suas inúmeras tarefas do dia a dia não costuma escutar esta rádio.Como ouvinte, a acho imprescindível, pois é a única rádio que alcança os mais longincos rincões do país, que fala sobre os acontecimentos e projetos de lei em andamento no congresso, e ainda, das decisões do judiciário. Onde o cidadão comum, sem internet e se dinheiro para comprar um jornal de qualidade, tem a chance de se informar, informação essa, que as grandes Rádios desprezam em sua programação normal. Acho que esta afirmativa tem mais a ver com o lucro que as emissoras deixam de ganhar, do que o caráter autoritário outorgado pelo jornalista,que o mesmo tenta justificar.
Na minha opinião, a Voz do Brasil ainda é o único programa Nacional com credibilidade e honesto. É o fato real sem a opinião ou a “edição” das emissoras. Trocar de horário já é um prejuízo, a não ser que se coloque o Programa na TV (todas) entre as oito e as nove da noite.