Não chega a ser uma particularidade deste ou daquele país a tentação que volta e meia seduz governantes e os leva a maquiar estatísticas numa tentativa suicida de melhorar a realidade da economia. Na explosão da crise do euro, por exemplo, com a insolvência em série de países, chamou a atenção como os gregos subestimavam os gastos públicos. Em vão, porque a verdade emergiu na auditoria das contas da Grécia feita pela União Europeia/FMI.
O caso mais grave, no momento, é o do Argentina, em que o índice oficial de inflação é sabidamente manipulado para não ultrapassar os 10%, enquanto consultorias privadas calculam a taxa efetiva em níveis acima dos 20%. A insistência na maquiagem grosseira é tal que o próprio Fundo Monetário ameaça o país de sanções.
O Brasil está muito longe disso, porém não deixa de praticar a “contabilidade criativa”, para não revelar com toda a transparência a situação fiscal do país. Neste sentido, preocupa o costume, adotado a partir de 2009, no impacto da crise mundial, de transferir bilhões ao BNDES obtidos por endividamento, sem o registro dos recursos na dívida líquida pública.
Por ser considerado “empréstimo” ao banco, o dinheiro aparece apenas na dívida bruta. Mais grave é que o subsídio embutido nessas operações – o banco empresta os recursos a taxas inferiores às pagas pelo Tesouro ao obtê-los no mercado – não é explícito. Não aparece de maneira transparente no Orçamento. Teme-se, com razão, o renascimento da “conta movimento”, uma herança da ditadura, pela qual os cofres públicos abasteciam o Banco do Brasil de dinheiro do contribuinte, sem qualquer controle. O mesmo contribuinte iria tapar o buraco, depois de estabilizada a economia pelo Plano Real.
Por este “orçamento paralelo”, o BNDES já recebeu mais de R$ 300 bilhões. Pela mesma via, o Banco do Brasil e a Caixa acabam de ser oxigenados em R$ 21 bilhões, para manter abertos os guichês de financiamento ao consumo, créditos em que a inadimplência está em alta. A criatividade talvez seja usada para ajudar o governo a cumprir a meta do superávit primário de 3,1% do PIB. Em 12 meses, o superávit está em 2,46%. É possível que, para atingir o centro do alvo, o governo venha a deduzir investimentos dos gastos, recurso que precisa ser usado com critério. Não pode ser banalizado, para não reduzir a confiabilidade das contas públicas. O mesmo vale para o artifício da antecipação do pagamento de dividendos de estatais – um tipo de receita conjuntural, portanto incapaz de dar sustentação de médio e longo prazos ao superávit, necessário para saldar a conta de juros da dívida interna e evitar que ela vire uma bola de neve.
Seria melhor o governo assumir a redução do superávit primário, numa conjuntura difícil, e assim preservar a qualidade das estatísticas oficiais. Até porque não há maquiagem que encubra para sempre a realidade.
Fonte: O Globo, 05/10/2012
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