Uma das principais heranças da crise internacional é a complicada situação fiscal em que se encontram os países ricos. Com dívidas públicas nos níveis mais altos desde o fim da Segunda Guerra, em termos de proporção do PIB, e deficits fiscais elevados, o mundo desenvolvido levará anos para ajustar as contas do setor público. Com populações que devem envelhecer ainda mais nas próximas décadas, pressionando as despesas previdenciárias, de saúde e de assistência a idosos, essa travessia de volta a uma dinâmica fiscal saudável vai exigir sacrifícios e uma rediscussão do pacto social.
Mesmo antes dessa deterioração fiscal, porém, já se observava mundo afora um amplo debate sobre como aumentar a eficiência do gasto público. Os estudos e experiências sobre esse tema giram em torno de dois eixos principais. O primeiro é reproduzir no setor público os incentivos utilizados no setor privado. Em especial, premiar a produtividade. O segundo é contratar provedores privados para realizar serviços públicos.
No Brasil, as áreas de saúde e educação concentram o maior número de inovações gerenciais com esse perfil. Não é difícil entender por que: esses dois setores absorvem os maiores volumes de gastos públicos nos estados e municípios, nos quais a experimentação e a busca de alternativas têm sido mais intensas. Também há, porém, casos interessantes em outras áreas, como segurança pública. Em Minas Gerais, por exemplo, já se tem uma penitenciária operada por empresa privada, em arranjo que aprofunda a experiência registrada no Paraná nos anos 1990. Em São Paulo, discute-se premiar os policiais que mais contribuam para diminuir a violência.
É na área de saúde que mais se avançou no recurso às parcerias público-privadas (PPPs) como meio de fornecer serviços públicos à população. Ainda que haja alguns casos de PPPs sociais na assistência primária à saúde — o próprio Programa de Saúde da Família funciona em grande parte do país como PPP social —, é no atendimento hospitalar que estão as experiências mais interessantes.
O modelo de PPP hospitalar, desenvolvido originalmente em São Paulo, ainda no primeiro governo de Mário Covas, em geral segue um padrão básico comum em todo o país. Tipicamente, o hospital é construído e aparelhado pelo setor público, cabendo ao parceiro privado gerenciá-lo e operá-lo. Central nessa divisão de tarefas é que os funcionários são contratados pelas regras do setor privado, o que é apontado como um elemento fundamental para garantir a melhor alocação de recursos.
Ainda que o parceiro privado opere o hospital, é o setor público que define quem é atendido. A clientela é a mesma do SUS, o atendimento é gratuito e o hospital não pode prestar serviços privados. Do ponto de vista dos pacientes, portanto, funciona como hospital público. A cada ano se define quantos procedimentos, de cada tipo, serão realizados, e a partir daí se fixa um orçamento para compensar o operador privado pelos custos. Uma parcela pequena da remuneração — algo em torno de 10% — é determinada a partir de indicadores de produtividade e qualidade, de forma a estimular a eficiência.
Esse arranjo exige que o setor público e o operador privado estejam adequadamente aparelhados para fixar o rol de serviços a serem fornecidos e monitorar o que de fato ocorre. A regularidade no pagamento ao operador privado é essencial para impedir a interrupção dos serviços. No médio prazo, esse pode ser o maior desafio para a sustentação do modelo.
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Na educação, a opção tem sido pela concessão de incentivos por resultados. Os arranjos são mais variáveis entre unidades da Federação, mas, em geral, envolvem algum tipo de premiação condicionada às taxas de aprovação. A operação desses esquemas de incentivo costuma esbarrar na pressão para que essa remuneração variável seja incorporada aos salários e na dificuldade de precisar a contribuição individual para o resultado obtido pelos alunos. Além disso, é difícil equilibrar o incentivo ao bom desempenho com o fornecido às piores escolas para melhorarem seus indicadores.
Interessantemente, o modelo de PPP social ainda não foi tentado na educação básica, apesar de, em princípio, a governança de um esquema desses ser mais simples em uma escola do que em um hospital. Uma possível explicação é que, com o envelhecimento da população, a pressão sobre o gasto da saúde seja maior do que na educação, que se beneficia da queda no número absoluto de crianças.
Fonte: Correio Brasiliense, 29/05/2013
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