Para garantir competitividade global, companhias brasileiras usam recursos como controle total da cadeia de transporte e investimento em centros de distribuição
RIO — As filas de navios nos portos, as estradas esburacadas, os problemas nos aeroportos e a falta de ferrovias têm influência direta no caixa das empresas brasileiras, seja porque seus gastos com logística ficam acima da média mundial, seja porque essas dificuldades levam a um estouro de prazos. Por isso, as companhias buscam uma logística mais eficiente, o que vai do controle total da cadeia de transporte ao investimento pesado em centros de distribuição. Ainda assim, em alguns setores os custos de logística chegam a representar 20% do faturamento, segundo levantamento da Fundação Dom Cabral. No total, segundo o estudo, o país perde R$ 83 bilhões por ano com essa ineficiência, na comparação com o modelo americano.
— O custo mais elevado da logística brasileira afeta diretamente a competitividade das grandes empresas — afirmou Paulo Resende, coordenador da pesquisa com 126 empresas que, juntas, representam 20% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
As dificuldades do transporte ficam ainda mais evidentes em grandes empresas transnacionais. Na JBS, gigante do setor de carnes, que atua no Brasil e nos Estados Unidos, o impacto da logística é 30% maior aqui do que na América do Norte. As diferenças, contam executivos do grupo, vão dos modais usados para transportar a carga ao desgaste dos pneus dos caminhões, passando pela burocracia:
— O pneu de um caminhão, que no Brasil precisa ser trocado a cada 100 mil quilômetros, chega a durar 500 mil quilômetros nos Estados Unidos, por causa da conservação das estradas. Além disso, aqui precisamos investir pesadamente em frota própria, e cada caminhão custa R$ 500 mil. Temos 1.200 caminhões, enquanto nos Estados Unidos trabalhamos muito mais com transportadoras — afirma Gilmar Schumacher, diretor de Logística da JBS.
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Com 45 fábricas em dez estados brasileiros, a JBS tem, para lidar com 50 mil fornecedores e 70 mil clientes, frota própria e contratos de exclusividade com várias transportadoras, além de 14 centros de distribuição.
— Há cinco anos tínhamos apenas três centros de distribuição no país — conta Renato Costa, presidente da divisão de carnes da JBS, ressaltando que a diferença para a operação nos Estados Unidos é gritante. — Lá temos um terminal ferroviário em cada fábrica nossa. Transportamos muita coisa também por hidrovia. Aqui, dependemos do caminhão.
Assim, afirma Costa, a empresa teve de ser criativa para reduzir seus custos:
— Nossos caminhões vão aos grandes centros cheios de carne e voltam para o interior com material de higiene e limpeza, por exemplo.
Schumacher, da logística do grupo, lembra ainda que os novos desafios da indústria tendem a ampliar os problemas logísticos, pois agora a empresa está buscando o bem-estar do animal, inclusive no transporte. Outro desafio, conta, será a implementação total da nova lei que regulamenta o trabalho dos caminhoneiros, com 11 horas de descanso obrigatório, e pode elevar o custo por viagem entre 15% e 20%.
Costa afirma que a JBS gostaria de usar outros modais, como ferrovias e hidrovias. Por isso, apoia a iniciativa do governo de investir mais no setor. Para ele, o novo desafio é o Nordeste, onde há uma demanda reprimida por proteína animal. Com investimentos de R$ 6,2 bilhões para gerar 1,5 milhão de toneladas por ano — tudo praticamente para exportação —, a empresa aposta em uma operação logística integrada:
— Para a empresa ter sucesso a logística é tão importante quanto a produção de celulose em si — afirma José Carlos Grubisich, presidente da Eldorado Celulose e Papel, divisão de celulose da J&F, controladora da JBS.
A empresa decidiu usar hidrovias e ferrovias. Foram comprados 30 locomotivas e 450 vagões para levar metade da produção até Santos. Outra metade irá por barcaças pelo Rio Tietê, seguindo depois até Santos por trem. Foram investidos R$ 800 milhões em transporte.
No setor de varejo, a preocupação com a logística cresce. Como na Máquina de Vendas, holding das redes Ricardo Eletro, Insinuante, City Lar e Eletro Shopping, com 1.100 lojas e faturamento estimado neste ano em R$ 9 bilhões. O grupo é o mais capilarizado do setor, presente em 442 cidades do país.
— Demos prioridade aos parceiros de maior porte com capacidade de atender às necessidades de uma empresa como a nossa. Também valorizamos a troca de experiências entre as equipes, assim conseguimos padronizar a gestão de recebimento e distribuição de mercadorias — diz Luiz Carlos Batista, presidente do Conselho de Administração do grupo.
A Máquina de Vendas espera ainda usar outros modais além do rodoviário, como ferrovias e cabotagem. Segundo Batista, os fretes rodoviários são 30% mais caros que nos outros modelos.
Vale: duplicação de ferrovia e navios próprios
Já a mineradora Vale faz pesados investimentos em logística para assegurar sua competitividade. Com seu principal cliente — a China — na Ásia e seu maior rival na Austrália, a BHP Billiton, a Vale logo percebeu que, se dependesse de ferrovias e portos públicos, fatalmente ficaria para trás na briga com outras mineradoras. Por isso, a companhia controla a operação de ponta a ponta, da mina ao porto. A estratégia, somada ao alto preço do minério de ferro em 2011, garantiu-lhe o status de maior exportadora brasileira no ano passado. Foram US$ 38,347 bilhões vendidos ao exterior, 15% do total das exportações brasileiras. Nos nove primeiros meses deste ano, os embarques da Vale somaram US$ 20,451 bilhões ou 11,3% do total exportado pelo Brasil.
Na lista das instalações sob controle da Vale estão 10 mil quilômetros de ferrovias no Brasil e quatro terminais portuários, além do Porto de Tubarão (ES). Entre as ferrovias está a Estrada de Ferro Carajás (EFC), apontada como uma das mais eficientes do mundo e por onde trafega o maior trem do planeta, com 330 vagões. Ela liga Carajás (PA), que abriga a maior reserva de minério de ferro da empresa, ao terminal Ponta da Madeira, de uso privativo da Vale, em São Luís (MA).
Com 892 quilômetros, a estrada de ferro está sendo duplicada, para que os trens possam ir e vir simultaneamente. Hoje, eles se movimentam nas duas direções sobre a mesma linha. Essa duplicação faz parte do Programa Capacitação Logística Norte (CLN), que inclui ainda a ampliação de Ponta da Madeira, um investimento de US$ 4 bilhões. O objetivo é preparar a infraestrutura logística da Vale para o aumento da produção de minério de ferro no Pará. Com os investimentos, a capacidade de transporte da EFC passará dos atuais 130 milhões de toneladas/ano para 230 milhões de toneladas anuais até 2016.
A mineradora tem ainda uma extensa frota, que inclui 18 navios Valemax, com capacidade de 400 mil toneladas. Estes são os primeiros dos 35 encomendados a estaleiros de China e Coreia do Sul, a serem entregues até 2016. Os navios, parte próprios e parte de terceiros com contratos de exclusividade, também são parte da estratégia da Vale para conter os valores do frete, que saltam em tempos de alta demanda.
Fonte: O Globo, 12/11/12
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