Passados dois meses “agudos” da crise que se abateu sobre as várias esferas de governo, com protestos de rua e perdas de popularidade, que respostas foram dadas pelas autoridades? Como elas responderam a esta “emparedada da sociedade”, mesmo que difusa e meio desorganizada?
Até o momento as respostas dadas foram frustrantes. Vamos ficar apenas com o governo federal, para não nos estendermos muito, como no caso de alguns governos regionais, como SP e RJ, com forte perda de popularidade.
O governo Dilma, num primeiro momento, anunciou um arco de atuação em cinco áreas, saúde, educação, mobilidade urbana, responsabilidade fiscal e reforma política.
Falou em Constituinte Exclusiva e na aprovação da reforma política através de plebiscito. Pela reação de juristas e do meio político, estas acabaram caindo no vazio. Na saúde, anunciou programas como “Mais Médicos”, com a contratação, principalmente, de médicos do exterior, caso a oferta doméstica se mostrasse insuficiente. Chegou a anunciar que recém-formados deveriam passar dois anos como residentes em hospitais públicos (SUS), mas acabou colocado isto de lado, diante das pressões dos sindicatos e do CFM; sobre a mobilidade urbana chegou a anunciar cerca de R$ 50 bilhões para aparelhar o transporte urbano, além do apoio na revogação dos reajustes de tarifa, adiados de janeiro para junho, com o intuito de segurar a inflação; na responsabilidade fiscal, se comprometeu com um corte de gastos em R$ 10 bilhões. Indo para a seara política, no Congresso algumas medidas acabaram aprovadas, como a denominação de crime hediondo para corrupção e a prisão de um parlamentar corrupto, dentre outras. Poucos avanços concretos, no entanto, foram observados. A impressão que se tem é que se criou uma “cortina de fumaça” para que a crise perdesse fôlego com o tempo.
Na área econômica, as novidades também não (ou ainda não) vieram na velocidade desejada. No pacote fiscal anunciado, tivemos cortes na área de custeio, mais ligado à máquina administrativa, como despesas de viagem, contratações por concurso, dentre outros, mas estes pareceram muito mais contingenciamento. O que se fez foi adiar para frente estas despesas correntes, que devem passar a ser contabilizadas como “restos a pagar”, ao entrarem no Orçamento de 2014. O fato é que a situação das finanças públicas segue delicada.
Pelos dados fiscais de junho, o que se teve foi uma forte pressão das despesas correntes, crescentes em 6,6% no semestre, enquanto que os investimentos se mantiveram empacados, crescendo apenas 1%, em função das condicionalidades de licenças ambientais e outros trâmites burocráticos. Com isto, no agregado, o saldo primário de junho, em 12 meses, fechou em torno de 2% do PIB, próximo a meta de 2,3% do PIB definida pela Fazenda, mas considerado um dos piores resultados para o período.
O problema é que o governo ainda segue subsidiando o crédito através de emissões do Tesouro para o BNDES e na atuação de bancos públicos. Com isto, a dívida bruta já passa dos 60% do PIB. Em junho, na oferta de crédito nacional, cerca de 50% foram realizados através dos bancos públicos, com o restante dividido entre bancos privados nacionais e estrangeiros. Ou seja, de um lado o governo anuncia cortes, de outro abre a “torneirinha”. Num artigo na imprensa Rogério Werneck da PUC bem definiu esta situação: “De um lado, a dureza do Orçamento. Do outro, a farra de crédito do BNDES, nutrida por emissão de dívida e a ilusão de haver dinheiro para tudo.”
Em adição, o governo segue anunciando isenção fiscal ou cortes de impostos, tanto para estimular setores específicos, intensivos em mão de obra, como para combater à inflação.
Indo para o front externo, as notícias também não são alvissareiras. O déficit em conta corrente de junho fechou em torno de 3,17% do PIB, mas segue em trajetória de alta, dado o aumento das despesas com viagens, reflexo da ascensão das classes C e D, assim como pelo aumento das remessas e das despesas com serviços. Em paralelo, os investimentos externos diretos continuam robustos, mas não suficientes para o financiamento deste desequilíbrio. Decorrente disto, e turbinado pela proximidade do fim da política de compra de ativos do Fed, o dólar na semana passada já beirava os R$ 2,30 (depreciação cambial acima de 11%), sem perspectiva, por enquanto, de reversão ou acomodação.
Neste contexto, a ameaça de repasse do dólar apreciado, para os insumos importados e os custos das empresas, já começa a ser considerada como fato, embora ainda não tenha ocorrido com mais força. Os índices de preço em julho até foram alentadores, com o IPC da FIPE registrando deflação de 0,13%, o IGP-M 0,26% e o IPCA, próximo à estabilidade. Contribuíram para isto o recuo dos alimentos e a revogação do aumento das tarifas de transporte.
No entanto, com o dólar “esticado” no atual patamar, caso se mantenha até o final do ano, será inevitável algum repasse, dependendo do setor e da margem existente. Mesmo assim, não acreditamos que o IPCA ultrapasse os 6,5% (teto do sistema de metas) ao fim deste ano, devendo fechar mais próximo a 5,5%.
Neste contexto, uma boa notícia vem sendo o reposicionamento do BACEN no controle da inflação e no balizamento das expectativas, atuando mais ativamente no combate à inflação, e com autonomia se comparado ao passado recente. Agora na reunião do COPOM de agosto, mais uma elevação do juro deve ser sancionada, de 0,5 ponto percentual, indo a 9,0%. Para as próximas reuniões deste ano tudo dependerá das expectativas, do repasse do câmbio e algum choque de oferta que possa ocorrer. A Focus trabalha com a taxa de juros fechando o ano a 9,25% e esta Consultoria projeta 9,5%.
Aqui, no entanto, é preciso alguma dose de parcimônia, já que preocupa o ritmo fraco da economia. Ou seja, além da atenção redobrada à inflação é importante também manter a “roda girando na atividade econômica”.
Os dados da indústria de junho, segundo o IBGE, até serviram de alento, com expansão de 1,9% contra maio (que recuou 1,8% contra abril), mesma taxa no primeiro semestre, indo a 0,2% em 12 meses. Este movimento errático da indústria, por outro lado, não configura uma tendência consistente de recuperação. Em resposta, o desemprego mostra perda de dinamismo, com a taxa chegando a 6% da PEA, segundo o IBGE, e a criação de empregos formais perdendo força.
Concluindo, a partir da análise dos fundamentos, o que se tem é o governo sem muita convicção de como conduzir sua política econômica. Lembremos que num primeiro momento, entre 2011 e 2012, criou-se até uma nova denominação para a política da Dilma, a chamada “nova matriz econômica”, caracterizada pela depreciação do câmbio, relaxamento fiscal e redução do juro. Tratou-se então de abandonar os pilares do famoso tripé do Real, seguido antes, mesmo que com resistências externas, por Henrique Meirelles na gestão Lula. Em paralelo a isto, aumentou-se a oferta de crédito, mantendo-se o modelo sustentado pelos estímulos ao consumo das famílias, parcialmente bem sucedido na gestão anterior.
Agora, diante da insuficiência inevitável de oferta, o alto endividamento das famílias, os baixos investimentos, o desbalanceamento entre oferta e demanda, gerando inflação, e a perda de credibilidade, o governo Dilma se confronta com seus erros de diagnóstico. Tenta corrigir alguns rumos no meio do jogo e tenta “ganhar tempo” para as eleições de 2014. Em suma, por teimosia ou por fatores outros, o governo acabou atropelado pelos fatos.
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