Avaliação livro do tributarista Ives Gandra Martins, “Uma visão do mundo contemporâneo” (Editora Thompson Pioneira, 1996).
Caro Ives, recebi, agradeço e já li de ponta a ponta sua “visão”, agradeço sobretudo a gentil dedicatória.
Como primeiro ponto, destaco as semelhanças e amplitude de nossas preocupações. Sua análise da burocracia e do mundo político é perfeita – usando um termo estatístico: o coeficiente de aderência meu ao seu texto é total – e olha que fui um burocrata do governo federal por um bom tempo – oficial de empréstimo do governo brasileiro junto a instituições multilaterais de empréstimo, e Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Também a inutilidade atual destas instituições e da Organização das Nações Unidas (ONU).
Veja: elas são frutos de Bretton Woods em 1944 ocasião em que Keynes enfiou goela abaixo seu monetarismo, que, rigorosamente deveria ser valido apenas para reconstrução da Europa destruída pela segunda guerra – porem isto já dura 66 anos de fracasso – na verdade Keynes sancionou a presença do governo na economia, ele oficializou uma heresia – governo é economicamente inviável porque age por atos da vontade humana e não é regulado pela lei da oferta e procura – questionado sobre as conseqüências de suas propostas, Keynes respondeu: a médio prazo estamos todos mortos – sim eles estão porem nos sofremos as conseqüências desta irresponsabilidade! Você destaca com muita propriedade o desemprego como o flagelo atual, porem você vincula isto ao avanço tecnológico – não estou tão certo disto!
Prefiro acreditar que o desemprego é conseqüência do avanço do governo na economia – todas as proteções trabalhistas que foram criadas, embora confiram dignidade ao trabalhador, jogam um pedaço para fora da mesa – imagine retirar o salário mínimo – mais pessoas estarão empregadas, provavelmente trabalharão por um sanduíche como faz a China hoje – não defendo isto, mas entenda que toda a proteção trabalhista gera desemprego. Quando o governo investe na Petrobras por exemplo, ele induz a um crescimento setorial – aliás o mundo todo tem sua matriz energética focada no carbono com todos os problemas de meio ambiente, porque os governos investiram fortemente nesta área, com isto não permitindo desenvolvimento de outras fontes energéticas, tipo: solar, eólica, biomassa, etc.
Imagine quantos empregos seriam gerados se o setor fosse livre. Teorizando: desemprego é fruto da desobediência a uma lei básica da economia – só o trabalho produtivo gera capital. Keynes permitiu que trabalho improdutivo gerasse capital – quantos carimbadores de papel ou intermediários improdutivos estão se locupletando? Se você contratar uma equipe para abrir um buraco e outra para fechar o mesmo buraco, você rigorosamente não produziu nada porem manteve duas equipes trabalhando – esta era a necessidade de Keynes com a Europa destruída!
Enfim, o pleno emprego produtivo deve ser a Meca, o nirvana de todo pensador e isto só será conseguido com liberdade para produzir e consumir. Não existe nenhum sistema melhor que o mercado, porem é preciso resolver um problema insolúvel com as atuais regras – mercado só produz o que é rentável e não o que é necessário!
Somente um novo pacto onde nutrição, saúde e educação sob responsabilidade do setor privado e governo reduzindo a carga tributária correspondente. Penso que boa parte de seu pessimismo pode se dissipar com esta argumentação, pois ao vincular desemprego ao avanço tecnológico, isto é inexorável, pessimismo é compreensível. Ao vincular desemprego às ações de governo podemos reverter isto. Nem tudo esta perdido. Governo mundial ou governança universal – fujo disto como diabo da cruz – isto é a antítese da democracia, embora tudo conduza a isto com as atuais regras – é um subproduto do monetarismo que coloca muito dinheiro nas mãos de políticos e burocratas de governo e pouca comida na boca das crianças.
Sua postura ética é impecável – acredito mesmo que hoje é uma necessidade defender valores universais – como exemplo, veja as loterias estimuladas pelo governo – é um absurdo governo estimular o vicio o efeito sem causa, o capital sem trabalho produtivo – pegar dinheiro de todos para colocar nas mãos de um ganhador. Isto não leva a lugar nenhum!
Temos muito que conversar, acho que me excedi na análise de seu livro, mas a este tema me dedico há 30 anos e ler sua visão de mundo foi um prazer enorme, sobretudo porque passei duas semanas internado num hospital e dedicado a leitura em tempo integral. Desta forma a leitura de seu livro entremeada com a leitura da “Teoria dos sentimentos morais”, de Adam Smith, de 1759, – um verdadeiro mergulho na natureza humana, recomendo fortemente, você vai gostar de lê-lo, caso ainda não o tenha lido – representa os valores e a base moral sobre o que foi erigido o capitalismo – eu releio este livro com freqüência e a cada releitura aprendo muito sobre este curioso bípede que é o ser humano. Estes dois livros tornaram meu recesso hospitalar obrigatório mais ameno. Grato por tudo.
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