Termina o primeiro semestre e é importante um balanço. Não foi um período fácil. A maioria dos indicadores se deteriorou, tanto por choques externos, como também pela teimosia do governo, num primeiro momento, leniente com a inflação ascendente, para proporcionar um crescimento maior.
Partiu-se do diagnóstico errado de que era possível “esticar a corda” da inflação até um certo limite, no caso, o teto do sistema de metas de inflação (6,5%), desde que o País conseguisse crescer mais. Acabou fracassando, diante do IPCA, em 12 meses, passando de 6,5% e o crescimento pífio do primeiro trimestre, em torno de 0,6% contra o trimestre anterior e 2,4% em termos anualizados.
Decorrente disto, o governo Dilma resolveu dar maior autonomia ao BACEN no balizamento do juro, já em 8,0% anuais. Isto foi bem interpretado pelo mercado, embora o estrago detonado antes já estivesse feito, refletido nas intervenções da presidente e da Fazenda na gestão da autoridade monetária. Em junho, no entanto, tudo piorou no nosso cenário doméstico, depois das sinalizações de aperto monetário nos EUA e da onda incontrolável de protestos pelas ruas do Brasil.
O dólar disparou, indo a R$ 2,26, os futuros de juro e de dólar romperam seus padrões normais, o “risco Brasil” foi a 235 pontos básicos e a Bovespa, importante termômetro da economia real, acusou queda no mês de 11% (até quinta-feira passada, no ano recuando 21,9% com todas as variações mensais no negativo). De certa forma, no campo econômico foi um semestre perdido, potencializado em junho.
Sendo assim, neste momento não é possível saber, ao certo, qual o rumo destes movimentos, ainda em curso, nem como o Fed norte-americano afetará os fluxos internacionais de recursos. Pelo lado das manifestações de rua, se observa algo difuso, predominando jovens e classe média, sem líderes nem representatividade política (sem partidos), mobilizados por Rede Social (Facebook) e sem pauta de reivindicação mais objetiva. Aumentou, no entanto, nos últimos dias, a demanda por serviços públicos de melhor qualidade e contra a corrupção.
Em resposta, a classe política e o governo Dilma trataram de se movimentar, embora abordando temas que, por enquanto, não devem gerar grandes impactos no curto prazo sobre o cenário econômico.
Uma virada na deterioração das expectativas, gerada por estes movimentos, só seria possível se a presidente desse um “cavalo de pau” no transcurso dos acontecimentos, mudando a política econômica, que passaria a ser mais dura, menos heterodoxa, e com uma agenda de reformas estruturais, essenciais para a economia brasileira, mas há muito tempo esquecidas. Sempre é bom relembrar. É preciso repensar: (i) a estrutura tributária do País, excessiva, desorganizada e sem retornos em termos de serviços ofertados; (ii) o regime previdenciário, explosivo no longo prazo, pelos desequilíbrios entre trabalhadores dos setores público e privado, além do envelhecimento da população (fator conhecido como “bomba demográfica”); (iii) o regime trabalhista, pelos altos custos para contratar, sem esquecer a mais importante de todas, a reforma política. Esta até foi anunciada na semana passada, por plebiscito (a ser definido nos próximos meses). Há dúvidas, no entanto, sobe sua viabilização já que este é um tema muito complexo (e amplo) para ser decidido em votações populares. Tem-se aqui a chamada “democracia direta”, tão usada nos regimes chavistas e outros não menos populistas. Sobre as outras pautas, respondidas pela classe política, tivemos a revogação dos reajustes de transportes pelos prefeitos, a rejeição da PEC 37, a definição de corrupção como crime hediondo, mandato de prisão de deputado corrupto, etc.
Toda esta “revolução das ruas” deve ser saudada. Mostra que a sociedade não estava tão apática como se imaginava diante dos “mal feitos” da classe política e das esferas do governo. Isto não significa, no entanto, que uma virada de expectativas poderá se consolidar no desempenho da economia. Façamos, então, uma breve análise de como se comportam os principais fundamentos econômicos e como devem se comportar ao fim deste ano e no próximo:
• O País segue rateando no crescimento da economia. No primeiro trimestre, o crescimento foi fraco (0,6%), com indústria pouco reagindo (-0,3%), assim como serviços (0,5%), puxado pelo setor agropecuário (9,7%). Ao fim deste ano estamos prevendo crescimento entre 2,0% e 2,5%, puxado mais pelos investimentos do que pelo consumo. Estes primeiros tiveram bom desempenho no primeiro trimestre (4,6%), mas com forte influência do aumento da produção de caminhões e ônibus. Já o consumo cresceu apenas 0,1%, sentindo a inflação ascendente, corroendo a renda das famílias, e a elevação do juro reduzindo a demanda por crédito. Para o segundo semestre tudo dependerá do transcorrer dos movimentos de rua. Em junho, estes praticamente inviabilizaram o crescimento da economia. Acreditamos, no entanto, na normalização da atividade, embora em ritmo mais fraco.
• A inflação segue projetada entre 6% e 6,5% para este ano e mais baixa em 2014, entre 5,0% e 5,5%. Neste segundo semestre há sinalização de recuo dos alimentos, embora relativizada pelo relatório do BACEN (Relatório Trimestral de Inflação, RTI), mostrando demanda por commodities impulsionada por intensificação de retomada da economia global. Em verdade, existem também riscos de choques agrícolas localizados neste segundo semestre, assim como outros fatores detonadores, como no caso dos serviços. Reajustes de tarifas, pelas pressões sociais, acabaram adiados, tanto neste ano como no próximo. O RTI, inclusive, revisou o comportamento dos preços administrados, de 2,7% para 1,9% neste ano, já contando com a revogação do reajuste de transporte público e o possível adiamento do reajuste da gasolina e derivados. Atenção também deve ser dada ao repasse do câmbio pressionado neste ano (apreciação do dólar chega a 10% no ano) sobre a inflação. Tudo dependerá do tempo em que o dólar se manterá no atual patamar, mais próximo de R$ 2,20 do que de R$ 2,10.
• Sobre a taxa de câmbio devemos estar atentos ao movimento de desmonte do Quantitative Easing nos EUA, com a redução da liquidez global e a apreciação do dólar, com impactos diretos sobre os emergentes, afetando mais ao Brasil, pela alta liquidez dos seus mercados de ativos e os problemas internos. Este movimento de ajuste das políticas monetárias dos países, de certa forma, afetará a mobilidade dos recursos externos, afetando os regimes cambiais, em especial dos emergentes. Atenção, também, deve ser dada à desaceleração da economia chinesa, afetada por uma política monetária mais prudente, diante das demandas de uma classe média ascendente, elevando os custos dos serviços e dos salários. Por ora, ainda no calor dos acontecimentos, estamos aguardando o desenlace, para podermos balizar a taxa de câmbio, mas nossa projeção mais recente é de R$ 2,10 neste ano e R$ 2,12 em 2014.
• Em resposta a estes riscos inflacionários, estamos projetando por ora a taxa de juros em 8,75% ao fim deste ano. Esta variável, no entanto, também será revisada, diante da piora das expectativas nas últimas semanas, após os protestos de rua. O BACEN, no esforço de reconquistar a confiança dos mercados, se descolando das intervenções do “núcleo duro” da equipe econômica, já se mostra mais ortodoxo, com o juro balizado entre 9% e 10%. Desafio maior, no entanto, será compatibilizar esta necessidade de juro mais alto e maior controle sobre a inflação e de fazer a economia crescer mais, visando as eleições de 2014.
• Observamos também piora na gestão fiscal, com o saldo primário em 12 meses, até maio, em 1,97% do PIB, quando a meta revisada do governo é de 2,3%. Poucos, no entanto, acreditam ser possível atingir esta meta, visto que as despesas públicas seguem crescendo mais do que as receitas (12,8% contra 6,8% até maio), na sua maioria concentradas em custeio e pouco em investimento. Assim sendo, para atender as demandas das ruas, como congelamento de tarifas, uma piora fiscal acabará inevitável, visto que os governos regionais terão que tirar recurso de algum lugar. Boa notícia, no entanto, pode ser que o governo comece a pensar num resultado nominal zerado no longo prazo, já considerando os encargos financeiros.
• Fechando a análise, observamos também a piora das contas externas, diante de um desempenho sofrível da balança comercial, aumento das remessas de lucros e de despesas com viagens, dentre outras. Com isto, o saldo em conta corrente fechou maio com déficit de US$ 72,9 bilhões, 3,2% do PIB, superando o ingresso de investimentos externos diretos (US$ 64,2 bilhões em 12 meses), o que acendeu uma “luz amarela” para o BACEN. Este gap entre investimentos e déficit acabou preenchido por empréstimos e investimentos em mercado. Significa que o financiamento deste déficit acabou se dando com recursos de curto prazo, mais voláteis a crises externas. Isto é ainda mais preocupante quando observamos uma perda de confiança do investidor externo. O BACEN, pelo RTI acima citado, reviu sua projeção de saldo em conta corrente, negativa em US$ 75 bilhões, acima da anterior, de US$ 67 bilhões, 3,2% do PIB, superando o ingresso de investimentos externos diretos, 2,8%.
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