‘O leitor haverá de perdoar o título em inglês, mas isso nem é bem um título de artigo – é, isso sim, um imperativo, uma lei não escrita e, não obstante, reiterada diariamente pelos mil alto-falantes da indústria de entretenimento, na língua dos filmes de guerra de Hollywood, com sabor de bombardeio: é um mandamento que tem gosto de slogan publicitário e de sentença de morte. Por isso vai no título assim mesmo, em inglês. Fica mais claro. A adoração da violência, da qual o espetáculo que nos cerca não consegue mais escapar, ordena, todos os dias, a todos os adolescentes que não veem sentido na vida: “Be a killer, be a star.” Mate e fique famoso. Se viver é uma tolice, matar será a sua trilha para o estrelato.
As evidências surgem em profusão. Agora, no fim de semana que passou, explodiu mais uma. Em Tucson, no Arizona, um rapaz de 22 anos, cujo nome não será digitado neste texto, disparou a sua arma contra inocentes aglutinados num evento público. Matou seis pessoas e feriu gravemente a deputada democrata Gabrielle Giffords, que tem chances de sobreviver. Sim, o roteiro é conhecido. Essa modalidade de crime vem se banalizando nos Estados Unidos, num script sempre idêntico, no qual só varia o nome das cidades, dos assassinos e de suas vítimas – o resto é igual: um jovem que, segundo depoimentos dos professores e vizinhos, era “estranho” e “desequilibrado”, tanto que cultuava ideais nazistas ou análogas, sofre um revés na escola, vai a uma loja do bairro, compra um fuzil ou uma garrucha e mata meia dúzia de conterrâneos.
Por quê? Aí está o ponto: as evidências são clamorosas e repetitivas, mas a compreensão do que se passa é mínima, quase miserável.
A maior parte das explicações faz referência ao fetiche que a cultura americana desenvolveu pelas armas de fogo. Alegam que espingardas e pistolas são objetos de desejo e, mais grave, estão à venda em qualquer esquina dos Estados Unidos. Um bom exemplar dessa linha de explicações pode ser visto no filme Tiros em Columbine, de Michael Moore, que levou o Oscar de melhor documentário em 2003. A partir de um caso semelhante a esse de Tucson, o filme de Michael Moore critica acidamente o fascínio da sociedade americana por equipamentos bélicos em geral. É claro que Michael Moore aponta um dado real, mas não resolve a charada. Proibir o comércio de armas de fogo não solucionaria a questão; a causa não é apenas essa e talvez não seja fundamentalmente essa. Há mais fatores a considerar.
Agora, no crime de Tucson, em que uma bala atravessou a cabeça da deputada Gabrielle Giffords, que é odiada pelos republicanos linha-dura, aparece com mais clareza outro ingrediente: as ideologias intolerantes, quase sempre de corte ultraconservador, comparecem como um denominador comum entre esses criminosos. Outra vez, o dado é real, mas parcial e perigosamente enganoso, pois pode levar a crer que esse tipo de crime é coisa de gente “de direita” – e não é, ou não é só de gente “de direita”.
O que falta ser levado em conta, aí, é o papel estruturante da indústria do entretenimento, tal como ela foi moldada pelo mercado americano. É essa indústria que fornece o repertório de signos, símbolos e narrativas pelo qual os valores da violência, da xenofobia e da intolerância ganham sentido. O fetiche da arma de fogo só virou uma categoria sólida na sociedade americana – e na sociedade global, por extensão inevitável – porque encontrou lugar nuclear no modelo do herói consagrado pelo entretenimento. Esse herói é o indivíduo solitário que, com sua integridade (ou turrice) e sua força, moral e física, enfrenta o “sistema”. Para ele, a acusação de ser desajustado é bobagem. Ele não liga. Ao contrário, ele até se sente fortalecido quando cai no estereótipo de “incompreendido”. O herói de Hollywood, tal como foi esculpido ao longo do século 20, é aquele que, em nome do bem, que só ele sabe qual é, recorre à violência mais selvagem; é aquele que se mata em nome de sua própria teimosia. Então, a mocinha que o ignorava irá chorar por ele. É nesse modelo de herói, precisamente nele, que se refugia o psiquismo desse tipo de criminoso. As mesmas manchetes (de jornais, revistas, rádio, televisão e internet) que o denunciam, expondo sua foto, sua biografia e suas esquisitices, fazem com que ele se sinta glorificado, num tempo em que é glamouroso, como nunca foi, fazer o papel de bandido corajoso. São essas as manchetes que ordenam: “Be a killer, be a star.”
Antes que se pense, então, que a saída estaria num recuo da imprensa, que teria de deixar dar destaque aos assassinos, é bom avisar: também nesse ponto existe uma armadilha. Assim como a raiz do problema não está na venda de armas nem nas ideologias “de direita”, ela também não está na tal “mídia”. Ela está, antes, na combinação dos três fatores que foram listados aqui: a idolatria das armas e de seus senhores, a intolerância extremada e, finalmente, o fator que articula os outros dois, o chamado “star system”, no qual ser estrela vale mais do que viver ou deixar viver. Essa é uma combinação poderosa, profunda, que não se resolve com proibições burocráticas. O público deseja (com um ardor demasiado, é verdade) ver de perto essas tragédias reais, e tem o direito de vê-las. Aos jornais cabe narrar as tragédias. A pergunta é: por que o jornalismo não tem sido capaz de ajudar o público a compreender essas tragédias?
Em parte, porque a imprensa se tornou parte da indústria do entretenimento e, com isso, perdeu distanciamento para criticar os fundamentos dessa indústria. Ela vê criticamente o mercado de armas e o obscurantismo das ideologias, mas não visualiza direito como entretenimento e violência se entrelaçam. Sem se dar conta, a imprensa é o céu estrelado pelos assassinos que ela ajudou a convocar.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 13/01/2011
Nos Estados Unidos “Tiros em Columbine” no Rio de Janeiro “Tiros em Papai Noel”. Já tem uns poucos anos quando o helicóptero que conduzia Papai Noel para alegrar o Natal de crianças de um morro carioca foi alvejado por traficantes de drogas que confundiram o helicóptero com o da polícia. Nos Estados Unidos parece que virou um arquétipo, coisa de inconsciente coletivo: um indivíduo qualquer compra na esquina uma arma de fogo vai a uma lanchonete, escola, estádio de futebol, uma igreja onde se reza uma missa faz disparos contra as pessoas mata uma meia dúzia e depois se suicida ou vai preso.
É claro que uma sociedade onde isso acontece está doente. Ou pelo menos está muito mal educada ou orientada.
Qual é a doença básica da sociedade americana? O capitalismo, claro. O capitalismo é um sistema econômico que depende que a sociedade seja constituída de indivíduos autônomos em competição uns com os outros. Uma sociedade em que prevalecesse valores como amor ao próximo, solidariedade, caridade seria incompatível com o capitalismo que vive da exploração do homem pelo homem.
O capitalismo precisa vender armas por exemplo. Quanto à venda de armas não cabe nenhum discurso caviloso. Ou civilização ou barbárie. Ou a venda de armas para os cidadãos é proibida ou liberada. E no caso de liberada é para ser honesto e usar a arma exibida num coldre preso ao cinturão como nos filmes de cow-boy.
O discurso a favor da proibição de armas para uso dos cidadãos deve ser combinado com o discurso em prol do desarmamento dos países. Uma coisa tanto depende de outra que os intelectuais orgânicos do capitalismo têm que defender a liberação do comércio de armas para o cidadão.
Nós da esquerda defendemos o desarmamento de países e de cidadãos. Defendemos os direitos humanos. A direita caricata é que defende idiotices tipo “bandido bom é bandido morto”.
Depois de estabelecido o princípio de que a sociedade é constituída de indivíduos atomizados, o segundo passo é educar esses indivíduos uns contra os outros. Para essa ‘paidéia’ da morte tudo contribui: a televisão, os jogos eletrônicos, o cinema, a literatura e as histórias em quadrinhos, a indústria de brinquedos (Rambos, armas de fogo, etc). Trata-se de fazer a cabeça de todos com a noção básica de que o outro não é um ser humano igual a você, um irmão a ser amado e sim um potencial inimigo,um concorrente que quer lhe prejudicar, alguém de quem você deve desconfiar para não ser apunhalado pelas costas.
Finalizo com um fato ocorrido enquando se fazia a campanha do plebiscito da proibição ou liberação do comércio de armas de fogo. Certa escritora, articulista de uma revista semanal de larga penetração entrou em conflito com seus leitores amigos dos animais porque ela havia dito que bichos como “baleias” não a emocionavam, que ela se emocionava com “gente”. Pois bem no plebiscito esta escritora votou a favor da liberação do comércio de armas. Concluí: entre bichos e gente ela fica com gente. Entre gente e armas de fogo para defender a propriedade privada ela ficou com as armas.