Ao longo dos últimos meses, formou-se uma espécie de consenso entre os economistas que acompanham a conjuntura de que a política econômica voltada para incentivos ao consumo teria se esgotado. A famigerada política anticíclica, utilizada a partir da quebra do banco norte-americano Lehman Brothers, em setembro de 2008, encontrou um limite natural, qual seja, o fato de que o consumo responde de forma crescente e positiva a aumentos de renda e/ou crédito apenas até certo ponto. Encontrado este, o consumo passa a responder menos aos incentivos fiscais, monetários e parafiscais. Pelo comportamento desse componente nas Contas Nacionais, percebe-se que esse ponto está mais perto do que se imagina. Nos últimos cinco trimestres a taxa média de crescimento – no acumulado em 12 meses – foi de 2,9%, contra 5,8% nos cinco trimestres imediatamente anteriores. Implica dizer que o consumo mostra sinais de que não pode ser mais a “alavanca” do crescimento, como parecia querer a política econômica praticada nos últimos anos.
Se esse argumento faz sentido, é no mínimo preocupante o que devemos esperar daqui para frente. Isto porque, o consumo tem sido o principal fator de contribuição para o crescimento brasileiro nos últimos anos. Dados os problemas de competitividade da economia brasileira, podemos vislumbrar algum resquício de contribuição vindo da oferta, isto é, da produção? Difícil. A indústria, por exemplo, tem navegado sobre águas revoltas desde ao menos 2010. Os serviços encontram no mercado de trabalho restritivo e na baixa produtividade do fator mão de obra um decisivo limitante natural a essa contribuição. A agropecuária, apesar da incrível capacidade de se reinventar no país, também esbarra naqueles problemas logísticos para se expandir. Ou seja, leitor, a oferta está sujeita às restrições físicas e institucionais a que nos acostumamos nas últimas décadas.
O fato é que a tal política econômica anticíclica, utilizada pela atual administração federal como se fosse uma panacéia idílica, que nos salvaria da tormenta mundial, agravou os nossos problemas. Ao incentivar os componentes da demanda, consumo principalmente, para gerar algum alívio no curto prazo em termos de crescimento e menor taxa de desemprego, ela mascarou nossos problemas. Ao longo da última década muito pouco coisa foi feita para tornar a nossa economia mais competitiva frente a outros países. Não se investiu o suficiente em estradas, portos, aeroportos, ferrovias, hidrovias etc. Não se investiu o necessário em melhorias na saúde e na educação. Preferiu-se brincar de novo milionário, emprestando dinheiro ao FMI, lutando pela sede de olimpíadas e copas do mundo. A melhor conjuntura internacional desde ao menos o pós-guerra, vivida entre 2003-2007, não só não foi aproveitada como causou a sensação de que o caminho para o futuro estava pavimentado e nem era tão longo. Doce ilusão.
A falta de preocupação com a competitividade da economia e a condução de uma política econômica que só olha para a demanda permitiu que passassemos os últimos três anos com taxas de crescimento em declínio e, sim, taxas de inflação em ascenção. O melhor dos mundos, não é mesmo? A essa combinação perversa, os economistas chamam de estagflação, o sintoma de que algo de muito ruim está acontecendo no organismo econômico.
E aqui cabe a pergunta: ora, mas vocês, economistas, não sabiam disso? Sim, nós sabíamos. Mas se vocês sabiam, por que raios o governo praticou essa política? Pois é: os economistas do governo são de outra estirpe. Explico a seguir.
Basicamente, existem duas visões sobre qual seria a melhor forma de conduzir a política econômica. A primeira – e que representa o jeito que o governo o faz – diz que a política econômica deve ser discricionária, isto é, deve reagir ao cenário econômico que se apresenta a cada instante do tempo. A segunda – a qual os economistas que alertaram a confusão se incluem – dizem o contrário: a política econômica deve ser guiada por regras, porque ela representa um sinalizador importante para os demais agentes econômicos. Naquela, portanto, os instrumentos monetários, fiscais e parafiscais (a política econômica) devem ser utilizados sempre que necessários; já nesta, na segunda visão, tais instrumentos interferem nas regras do jogo, logo devem ser utilizados com prudência, parcimônia, transparência.
Você pode achar que a primeira visão do jeito que a política econômica deve ser conduzida faz sentido. Ora, se a economia caminha para uma depressão, que mal faria inundar a economia com mais moeda (juros mais baixo), aumentar os gastos do governo ou usar bancos públicos? Nenhum, não é mesmo? O problema dessa avaliação é que ela permite que a política econômica não apenas reaja a grandes eventos como o crash de 2008, mas também tente explorar de forma acentuada a dicotomia (em economês, o trade-off) que existe entre variabilidade da inflação e desemprego. Ou seja, tentar manter o desemprego mais baixo do que é possível é sempre uma forma que os políticos têm de permanecerem por mais tempo no poder, mesmo que isso impacte em maiores custos no médio e longo prazo.
Esse trade-off entre variabilidade da inflação e desemprego consiste numa relação negativa no curto prazo entre uma e outra variável. Pela existência de falhas de mercado, os preços no curto prazo não conseguem se ajustar para igualar oferta e demanda, fazendo com que exista essa relação negativa entre inflação e desemprego. Ou seja, no curto prazo, é possível reduzir a taxa de desemprego efetiva, via utilização dos instrumentos fiscais, monetários e parafiscais que interferem nos componentes da demanda. Mais moeda, gastos do governo e crédito de bancos públicos fazem com que o consumo das famílias aumente, gerando efeitos secundários sobre toda a economia, reduzindo a taxa de desemprego. Como não foi feito nada em relação à oferta – pelo contrário, o fator trabalho ficou mais caro – isso, entretanto, possui um custo: inflação em aceleração.
Pergunto agora ao leitor: isso não te lembra a conjuntura brasileira? Pois é, lembra sim, lembra muito, na verdade o que ocorre no Brasil hoje poderia ser utilizado como evidência para a falseabilidade da teoria que expus acima. E não por outro motivo, esse descolamento entre o que ocorre na demanda e o que ocorre na oferta não apenas gerou mais inflação, como também está por trás das manifestações ocorridas nesse final de outono e início de inverno no Brasil. A política econômica ditada de forma discricionária causa a irresponsabilidade fiscal, a falta de transparência nos empréstimos do BNDES e a perda de autonomia do Banco Central. O seu subproduto é mais inflação e maior desgaste social, porque permite que as prioridades sejam distorcidas. Permite que bens e serviços públicos sejam trocados por estádios. Permite que nosso país brinque de ser milionário ao invés de atentar para os problemas de competitividade da economia brasileira.
Já não vislumbro muita coisa diferente, ao menos nos próximos meses, sobre uma volta ao tripé econômico. Acredito que o modelo de meta de inflação sofreu um claro baque nos últimos três anos. A responsabilidade fiscal foi dilacerada. A brincadeira com o dinheiro público está perto do fim apenas por um motivo simples: ela pode causar a perda do poder. E isso, claro, nenhum político admite. Só por isso, houve o recuo na forma de conduzir a política econômica nos últimos meses. O Banco Central deve elevar a Selic até algo em torno de 9% (quando deveria ser mais), o governo tentará enganar o público, prometendo que agora fará o superávit primário em algum valor acima de 2% do PIB. Nada disso, entretanto, está em linha com aquilo que pactuamos em 1999: falta regra, falta transparência. E os economistas que lá estão, honestamente leitor, não estão nem aí para isso. Eles acham que isso não é importante. Portanto, a brincadeira está sim perto do fim. Mas nada impede que ela possa recomeçar em 2015, tão logo a facha presidencial esteja novamente com a atual administração.
Fonte: Blog Análise Macroeconômica – Vitor Wilher
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