A elaboração do acordo de Basileia destacou-se por seus méritos. Foi o resultado de ações conjuntas dos presidentes dos bancos centrais do G-10, as dez maiores economias do mundo na década de 1970. O objetivo era uma convergência regulatória melhorando a solidez, a estabilidade e a eficiência da intermediação. Dessa forma beneficiaram a indústria bancária em todo o mundo.
Foram cerca de dez anos de pesquisas e debates até chegar ao texto final, publicado em 1988. Um documento de apenas 30 páginas que virou lei em mais de cem países, com efeitos secundários positivos como a maior padronização nos indicadores bancários, a redução de distorções regulatórias na concorrência, o estímulo a copiar as melhores práticas, benchmarking entre os sistemas e melhorias na supervisão local e global.
No Brasil, o acordo foi regulamentado em 1994, com a Resolução 2.099, chamada de “Brasileia”, em razão de distorções que a norma internacional não previa: capital – elevação do mínimo absoluto, liquidez – enxugamento com acréscimos nos compulsórios, crédito travado – com restrições de expansão e regulamentação demasiada – a Basileia foi complementar ao gigantesco volume de regras existentes. Na ocasião, para chamar a atenção do excesso, os manuais de normas dos bancos no Brasil e na Inglaterra foram colocados na balança; o brasileiro pesava 25 vezes mais que o inglês.
“Brasileia” foi um desastre. Em poucos meses, mais de uma dezena de instituições tiveram sua continuidade interrompida e a norma contribuiu para catalisar a maior crise bancária da história no país. É fato que na correção dos problemas, o governo atuou acertadamente com o Proer, o Proes, o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), a abertura aos bancos internacionais, novas regras de intervenção e acompanhou a evolução da regulamentação de Basileia no resto do mundo.
O sucesso mundial do acordo original estimulou a formulação de Basileia 2, uma proposta mais abrangente e detalhada. Contou com contribuições de centenas de instituições do mundo inteiro, inclusive do Brasil. O documento final, publicado em 2004, tinha 347 páginas, era onze vezes maior que a versão anterior. Ganhou-se em precisão mas perdeu-se eficiência, os custos de observância (compliance) da norma aumentaram consideravelmente.
A crise de 2008 mostrou que Basileia 2 foi incapaz de evitar os problemas. A solução foi partir para Basileia 3, com 616 páginas, vinte vezes mais que o acordo original. Uma tentativa de cobrir toda e qualquer contingência, mas com um preço salgado, a perda de eficiência em razão dos altos custos de observância, o que acarreta um efeito colateral grave, que é a geração de economias de escalas regulatórias.
Dois comentários são oportunos. O primeiro é que os problemas em bancos são consequências de regras ruins e de má gestão dos sistemas. Colocar a culpa só em falhas da regulamentação é uma maneira de tirar toda a responsabilidade dos gestores, bem como só atuar corrigindo a metade das causas. Houve sim falhas dos órgãos supervisores, como a permissividade com o endividamento irresponsável em alguns segmentos e um fraco monitoramento de riscos sistêmicos. Mais atenção à atuação das instituições responsáveis, como bancos centrais, é mandatório para um melhor desempenho da intermediação.
A segunda observação é que a maior ou menor concentração de um sistema bancário, por si só, não quer dizer nada. Entretanto, a que é causada por economias de escala regulatórias induz a ineficiências na intermediação. O aumento de custos de observância por conta da quantidade de normas é o mesmo para todos, mas como é uma despesa predominantemente fixa, é proporcionalmente maior para os bancos menores. Números mostram que é um tema a ser analisado; no primeiro semestre de 2012, os quatro maiores bancos tinham menos da metade do patrimônio do Sistema Financeiro Nacional e mais de dois terços do lucro.
Basileia 3 começa a ser implantada este ano no Brasil. Houve alguns ajustes no cronograma na semana que passou, entretanto, as distorções que ocorreram com “Brasileia” estão presentes. A norma do capital é a que mais chama a atenção, o edital 40 do Banco Central, especifica o que poderá ou não ser considerado na sua composição.
As restrições dadas ao uso de créditos tributários são as que mais preocupam. A origem de parte deles são limitações da Receita Federal a deduções de provisões de inadimplência por exercício fiscal. São valores líquidos e certos para abatimento de impostos no futuro, podem ser transferidos na venda da instituição, mas não em caso de sua quebra. Há notícias de que há entendimentos para mudanças; se for o caso, merece ser aplaudido, caso contrário, é motivo de preocupação.
Basileia 3 prevê restrições de liquidez maiores que as atuais. É um problema grave no Brasil, por um lado o papel de emprestador de última instância do Banco Central é praticamente inoperante – o volume utilizado no redesconto é insignificante; por outro, os depósitos compulsórios drenam recursos equivalentes a três quartos do patrimônio líquido dos bancos no país. A equação é simples: mais caixa é igual a menos crédito.
A regulamentação bancária brasileira é extensa, detalhista e desnecessariamente complexa. As regras de Basileia 3 podem ser consideradas como adicionais às já existentes, e dessa forma, agravarão o crescimento malemolente do crédito, a queda de rentabilidade e o pior, a contribuição anêmica ao desenvolvimento do país.
Basileia 3 também pode ser uma oportunidade para debater e redesenhar o quadro institucional do setor; há ganhos polpudos a serem auferidos. Coincidentemente, no ano do acordo 1988, foi promulgada a Constituição do Brasil que exigia uma nova lei para a intermediação financeira. Se o tema era importante então, é mais ainda em 2013.
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2013
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