O anúncio de que a presidente Dilma Rousseff vai implantar em seu governo programa de melhorias administrativas semelhante aos já adotados, desde os anos 80 do século passado, por países pioneiros como a Austrália e a Nova Zelândia é uma novidade, tanto do ponto de vista puramente administrativo quanto do político.
O chamado “choque de gestão”, que era uma bandeira do PSDB, tido como importante diferencial em relação às administrações petistas, passa a ser parte integrante do novo governo, inclusive com previsões de privatizações de aeroportos e obras de infraestrutura.
Tratamento do dinheiro público com base em boa gestão, previsão orçamentária e acompanhamento de metas e desempenho são algumas das medidas adotadas pelos países desenvolvidos para tornar o Estado mais eficiente.
Um sistema integrado de informações gerenciais facilita a implantação de relatórios gerenciais e de sistemas contábil e de gestão financeira.
Desta forma, o Estado pode acompanhar o desempenho de todas as suas unidades, descobrindo as lucrativas, quais precisam ser reformadas, quais podem ser privatizadas.
Pesquisa do Banco Mundial em parceria com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os países mais desenvolvidos, mostra que a maioria deles inclui dados de desempenho não financeiro em seus orçamentos, sendo que alguns possuem até mesmo mecanismos formais para premiar os funcionários públicos, com a combinação entre desempenho, metas atingidas e bônus salarial.
Um sistema semelhante já está sendo utilizado em setores como a educação em São Paulo, que prevê a premiação de professores de acordo com as metas obtidas. A criação de metas e a cobrança de resultados são a base do programa. Os responsáveis seriam cobrados a dar explicações pelas metas não atingidas.
Para atingir esses objetivos, alguns governos priorizam o controle contábil, com o estabelecimento de metas formais, orçamentos baseados no desempenho e uma auditoria nos resultados.
Outros, com uma abordagem mais econômica, introduzem a competição para melhorar a eficiência do Estado.
Na América do Sul, o único país que se utiliza desses métodos é o Chile, que desde 2003 vem desenvolvendo um programa de profissionalização do serviço público e, não por acaso, é o único país da região a fazer parte da OCDE.
Entre os planos da presidente Dilma, que devem ser anunciados hoje na primeira reunião ministerial, está a ideia de que, mesmo a indicação sendo política, os titulares das pastas terão de se comprometer com resultados.
Seria cobrada maior responsabilidade dos burocratas, com uma separação entre o político (por exemplo, o ministro de Estado) e o executivo (o secretário-geral, o executivo do ministério).
Desta forma, pode-se estabelecer relação contratual entre os ministros e seus executivos, com a implantação de sistemas de medição de resultados.
A decisão de que as nomeações para as agências reguladoras terão que ser técnicas resgata o papel dos órgãos, criados justamente para exercer uma função mediadora entre o cidadão-consumidor e as empresas de serviços públicos, muitas privatizadas.
A garantia de que o projeto tem objetivos amplos é a presença do empresário Jorge Gerdau na coordenação de um Conselho de Gestão e Competitividade, ligado diretamente à Presidência da República.
O sonho da presidente era ter Gerdau como seu ministro do Desenvolvimento, mas ele, que é presidente do conselho do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), do consultor mineiro Vicente Falconi, uma das principais consultorias sobre moderna gestão empresarial, preferiu tentar ajudar a implantar no governo essa nova maneira de gestão pública.
A eficiência de cada setor governamental será medida pelo estabelecimento de metas a serem cumpridas, como se cada ministério assinasse com a Presidência da República um “contrato de gestão”.
Diante da situação das contas públicas, a ênfase do primeiro momento será dada à redução dos custos, dentro da máxima “fazer mais com menos” cunhada pela ministra do Planejamento Miriam Belchior.
A ideia é administrar um país como uma empresa privada, com a burocracia, a ineficiência e a falta de controle das finanças públicas substituídas pela busca de resultado, a gestão eficiente e o controle rigoroso das despesas.
O Conselho de Gestão e Competitividade será a versão brasileira dos organismos governamentais que controlam a eficácia dos órgãos do governo na Nova Zelândia e na Austrália, ao contrário de outros países, onde o controle é feito por empresa privada de consultoria.
Na Nova Zelândia, a Audit New Zealand é a instituição governamental que fiscaliza e promove a eficiência dos órgãos estatais do país.
O auditor-geral tem a função de validar os resultados alcançados pelas entidades públicas, e compará-los com os compromissos assumidos no início do ano.
As metas para o exercício definem os recursos no Orçamento. Na Austrália, o Australian Audit Office é responsável
pela eficiência do setor público.
Lá, por exemplo, a saúde pública tem cerca de 56 indicadores, incluindo tempo de espera do atendimento e o índice de retorno por complicações causadas pelo primeiro atendimento.
A rede Sarah, a mais importante rede de hospitais especializados em aparelho locomotor e pesquisas neurológicas do país, e uma das melhores do mundo, é um exemplo bem-sucedido que temos no país de contrato de gestão com o governo federal, através do Ministério da Saúde.
A nossa Lei de Responsabilidade Fiscal, nos seus princípios maiores, foi inspirada na Nova Zelândia. Como, no caso atual, o primeiro escalão já foi montado dentro de velhas premissas — que privilegiam o lado político e a composição da base aliada —, somente com o aprofundamento do processo de choque de gestão será possível avançar.
O acompanhamento das ações do Conselho de Gestão e Competitividade informará se a mudança de estilo de gestão está mesmo acontecendo, ou se apenas foi mais uma boa ideia que se perdeu na burocracia e no fisiologismo da máquina pública brasileira.
Fonte: O Globo, 14/01/2011
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