Os presidentes Obama e Hu Jintao, líderes das duas maiores potências globais, encontram-se esta semana em Washington. Desse diálogo, surgirão resultados que podem ser positivos ou negativos para a paz e a segurança do mundo.
Historicamente, sempre que uma nova potência surge no tabuleiro internacional, ela o faz com forte necessidade de afirmação e provoca reequilíbrios que podem ser muito traumáticos, como foi o caso da Alemanha em meados do século XIX ou do Japão depois. A China, embora afirme “perseguir inabalavelmente uma política externa de paz” , tem dado mostras crescentes de seu poderio militar e de sua decisão de atuar em sua sua região como a potência dominante. Acaba, por exemplo, de estrear seu novo caça supersônico J-20, invisível aos radares nos moldes do F-117A Nighthawk Stealth , que até então só a Força Aérea americana possuía, e de revelar o lançamento de seu primeiro porta-aviões armado com poderosos mísseis antiaéreos. Estes são galardões de uma superpotência de primeira linha. Nos últimos tempos, os analistas indicam que os chefes do Exército Popular de Libertação chinês agem de modo cada vez mais independente da liderança política do partido.
Nessas condições haverá chances de um bom resultado para a reunião de cúpula entre Obama e Hu Jintao? Os dois líderes estão debilitados politicamente: Obama por ter seu partido perdido fragorosamente as eleições de novembro, e daí a maioria na Câmara; Hu porque está entrando em seu último ano de governo com o declínio de seu poder. Mas, talvez por isso mesmo, convenha a ambos que a reunião seja percebida como um sucesso moderado e possa ser apresentada por cada um com sua face melhor.
As questões na mesa começam pelos assuntos econômicos e comerciais.A pressão americana pela revalorização da moeda chinesa, o yuan, já foi maior, embora persista. Tem havido um pequeno movimento gradual do Banco Central chinês nesse sentido. Por outro lado, a China é um grande importador de produtos americanos e, no meio de um processo penoso de recuperação da sua economia, este é um benefício importante para os Estados Unidos. Já para a China, iniciar uma guerra comercial com os Estados Unidos não é uma alternativa pensável. Por isso creio que não haverá muita faísca neste campo, pois os interesses comuns são maiores do que as diferenças existentes.
O segundo tópico é a Coreia do Norte, país ao qual a China dá sua proteção política e econômica. Para os Estados Unidos, este deve ser um ponto vital da conversa com o líder chinês, pois o regime de Pyong Yang está à beira de provocar uma guerra de desdobramentos imprevisíveis com a Coreia do Sul e atua de modo cada vez mais errático. Persuadir Hu Jintao a aumentar a pressão para trazer os representantes de Kim Jong Il à mesa do diálogo é um objetivo premente para Obama, pois a espiral conflitiva do momento é perigosa para aliados muito importantes de Washington, como Tóquio e Seul. Assim é essencial para os Estados Unidos que se inicie um processo diplomático para evitar novos testes de mísseis e o desenvolvimento de novos sistemas de armamentos por parte da Coreia do Norte.
A parte mais difícil do diálogo será, porém, a meu ver, a desconfiança mútua sobre o equilíbrio de poder na Ásia oriental, em particular no que diz respeito a Taiwan e ao Mar da China. Existe, sem dúvida, uma competição estratégica entre a China e os Estados Unidos, pois a primeira está dando mostras resolutas de sua determinação de exercer peso decisivo no seu entorno, e os americanos se contrapõem para demonstrar que não abrem mão de seu papel dominante na região. Em suma, a China utiliza todo o seu poderio econômico, tecnológico e militar para demonstrar aos Estados Unidos que precisa ser tratada como igual.
Todas estas questões complexas não podem obviamente ser resolvidas numa conversa presidencial, por mais que haja empenho dos chefes de governo. Estamos assistindo a movimentos de camadas geológicas na cena do poder internacional e nenhuma superpotência cede espaço estratégico voluntariamente à outra. Washington certamente se dá conta que não pode cercear a afirmação da China. Mas é do interesse de ambos buscar estabilidade em suas relações e evitar crises ou confrontações sempre que possível. Por isso, creio que é inútil esperar resultados espetaculares da cúpula de Washington como seriam um anúncio conjunto sobre política cambial ou um ultimato a Pyong Yang. Por mais que um comunicado conjunto morno seja decepcionante para quem espera algo mais apimentado, é muito melhor que seja assim. Grave seria que ficasse constatado um impasse em todo o leque de importantes assuntos.
Fonte: O Globo, 18/01/2011
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