Há um ano, na companhia de três especialistas amigos, lancei um livro sobre infraestrutura no Fórum Nacional Especial do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), no momento em que o governo anunciava seu plano de concessões de transportes. Como a União gasta boa parte do Orçamento em pagamentos a pessoas, a ênfase às concessões faz todo o sentido. Sem elas, a sociedade teria de rediscutir as prioridades nacionais.
No Fórum do próximo dia 18, revisitarei o tema exatamente quando serão leiloadas as duas primeiras concessões rodoviárias com boas chances de emplacar. Deixando de lado os casos mais complexos das ferrovias e dos portos para pensarmos no que virá pela frente, a conclusão é: apesar dos progressos importantes obtidos até agora, há ainda muito que melhorar.
O principal problema da fase Lula-Dilma está no atual modelo de modicidade tarifária, que se traduz pela busca das menores tarifas de pedágio imagináveis. A intenção é a melhor possível, mas há um erro fundamental. Em benefício do usuário, cabe visar não às menores tarifas imagináveis, mas, sim, às menores tarifas possíveis. Senão, é impossível atingir o padrão de serviço desejado.
Uma coisa é o governo dar prioridade a transportes no orçamento público. Nesse caso, que não é o nosso, pode até cobrar tarifas próximas de zero, pois a sociedade terá decidido pagar a conta. Outra é priorizar o que chamo de “a grande folha de pagamento”, hipótese em que o usuário é obrigado a pagar, no sistema de concessão ou parceria público-privada, por boa parte dos serviços que caberia ao setor público prover. Nesse caso, é preciso entender bem como o setor privado, parte fundamental da equação, funciona. Do contrário, as concessões não deslancham, os fretes continuam subindo, as filas nos portos são cada vez maiores e os custos em geral se tornam proibitivos. Na modalidade adotada atualmente, fixa-se um teto tarifário e ganha quem oferecer, no leilão, a menor tarifa. Com tetos realistas, concorrentes bem qualificados e certames competitivos, a tarifa que se obtém ao final do processo refletirá a estrutura de custos mais eficiente e o melhor equilíbrio possível entre modicidade tarifária e qualidade do serviço.
Se o governo fixar o teto muito abaixo do que seria razoável, de duas uma: o leilão fracassa, como já ocorreu, ou ganha quem a literatura do setor costuma denominar de “oportunista”. Uma empresa desse gênero oferece um preço inviável só para ficar com o negócio, e não consegue realizar os investimentos requeridos ou pede aumentos posteriores de tarifas, sob pena de o negócio ser interrompido. Sem força política para impugnar a concessão a posteriori, o governo acaba cedendo, e resulta um serviço de baixa qualidade. Estamos cheios de exemplos assim (veja o livro citado acima, que pode ser solicitado a raul_velloso@uol.com.br, juntamente com convites para participar do Fórum Especial deste ano).
Outro obstáculo central é a piora da qualidade da gestão pública, concomitante à forte queda dos investimentos. Junto com o atual viés antiprivado, adotam-se práticas inadequadas ou ocorrem lamentáveis disfunções nos papéis dos vários poderes envolvidos. Um claro exemplo disso é a adoção da “inversão de fases”, em que o leilão precede as duas etapas que deveriam vir antes, a pré-qualificação e o exame de um detalhado plano de negócios, que conferiria à proposta vencedora a garantia da exequibilidade. Pior que isso, o atual edital de licitação do governo proíbe as empresas de apresentarem qualquer plano de negócios, ainda que essa seja uma prática indispensável.
Tendo em vista que os bancos públicos financiadores dos investimentos exigem um plano de negócios que demonstre com segurança a qualidade do projeto da empresa vencedora, como assegurar que o plano a eles submetido seja o mesmo que apontou o preço revelado na licitação? É como se o governo desse um atestado ao despreparo da máquina, o que eleva desnecessariamente os riscos envolvidos e os custos potenciais para os usuários.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 12/09/2013
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