Ano após ano, os contribuintes brasileiros viram platéia de um questionável espetáculo. Trata-se do processo de elaboração do orçamento da União. Em meio a manobras duvidosas do Legislativo e a postura blasé do Executivo, que em última instância consegue contingenciar os excessos dos parlamentares, a confiabilidade e o papel de referência da lei orçamentária se perdem.
O artigo 166, § 3º, da Constituição Federal diz que “as emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa”. Em outras palavras, o texto constitucional veda a inclusão de emendas que não sejam financiadas pela exclusão de outros itens. Mesmo assim, a Comissão Mista de Planos, Orçamento Público e Fiscalização (CMO) invariavelmente adiciona despesas ao orçamento encaminhado pelo Executivo ao Congresso.
Como lembra Helio Tollini, consultor de orçamentos da Câmara dos Deputados, o Legislativo se vale do mesmo artigo 166, § 3º, da Constituição que diz que emendas podem ser aprovadas caso “sejam relacionadas com a correção de erros ou omissões”. Previsivelmente, muitos “erros” são encontrados nos projetos enviados pelo Executivo. Projeções macroeconômicas otimistas elevam as previsões da receita e, convenientemente, abrem espaço para as emendas parlamentares. Como a receita é superestimada, muitas despesas programadas ficam sem contraparte. Em obediência à lei de responsabilidade fiscal, uma reestimativa bimestral de arrecadação em patamar inferior à prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA) implica limitações de empenho e movimentação financeira dos gastos. Assim, o governo federal se vê obrigado a impor enormes contingenciamentos todos os anos.
Como já defendido por Tollini e pelo economista Antonio Delfim Netto em diversas ocasiões, a criação de um comitê fiscal responsável por fornecer uma única previsão de receitas a ser utilizada em todo o processo orçamentário é uma solução legalmente adequada e de implicações amplas.
Os chamados comitês ou conselhos fiscais já existem em diversos países. Além de fornecer projeções macroeconômicas referenciais, ajudam a reduzir problemas de assimetrias de informação ao avaliar a sustentabilidade da trajetória fiscal e a transparência das contas de maneira mais independente, além da prociclicalidade dos gastos, já que as suas recomendações de política fiscal tendem a levar em consideração um horizonte de tempo mais longo.
No Chile, por exemplo, um painel de especialistas é responsável por estimar parâmetros econômicos utilizados na elaboração do orçamento. Como a economia chilena é muito dependente dos ciclos de commodities (o cobre é responsável por cerca de 24% da receita total do governo), a volatilidade e a prociclicalidade orçamentária comprometiam a disciplina e a previsibilidade fiscal. Para lidar com o problema, foi criada uma regra de balanço estrutural que adota valores-chave fornecidos por especialistas (valores esses que não podem ser revisados). Estudos mostram que esta configuração reduziu a volatilidade do PIB e dos gastos públicos chilenos, além de permitir aumento significativo da poupança interna.
Enfim, a criação de um comitê responsável por projetar receitas fiscais, que poderia contar com membros do Legislativo, Executivo e do setor privado, pode ser um grande avanço para o país, cenário compatível com a Constituição e que daria importante contribuição à previsibilidade, estabilidade e confiabilidade das despesas públicas.
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