Ao analisarmos o comportamento dos emergentes (e das suas moedas) neste ano, mais precisamente, desde 22 de maio, ocasião do fatídico discurso de Ben Bernanke, algumas considerações merecem ser feitas. Vamos a elas.
Desalinhamento das moedas
Tudo começou depois que os países ricos resolveram adotar políticas acomodatícias duradouras para enfrentar o baixo crescimento. Em movimentos coordenados, mesmo que em períodos distintos, o Banco da Inglaterra, o BCE, o Banco do Japão e o Fed iniciaram estratégias de redução de juro e compra de bônus. No caso do Fed foi anunciado o QE3 e com ele a compra de títulos públicos e hipotecários (US$ 85 bilhões mensais), objetivando estimular a economia. Decorrente disto, a liquidez global se expandiu sobremaneira, gerando, como corolário, forte apreciação cambial nos emergentes. Isto porque, diante da baixa atratividade dos mercados desenvolvidos, os investidores migraram para os emergentes, mais rentáveis, mesmo que arriscados. Estudos do Instituto Internacional de Finanças (IIF) indicam que o fluxo líquido de capitais privados para os emergentes, durante os anos do QE3, entre 2009 e 2011, chegou a US$ 4,2 trilhões. O Brasil acolheu mais de 10% deste total.
Piora das contas externas
Este movimento de capitais acabou, em parte, sendo positivo para alguns, pois gerou forte apreciação cambial, derrubando a inflação no período, mas como impacto negativo aumentou a deterioração das contas externas. No Brasil, o déficit em conta corrente se encontra, nos dados mais recentes, em torno de 3,2% do PIB, na Índia 5,1%, Indonésia 2,8%, Turquia 5,9% e África do Sul 5,8% – ver tabela ao fim.
Cinco frágeis
Decorrente disto e da inflação elevada, desde maio, estes países, considerados pelo Goldman Sachs os “cinco mais frágeis”, foram os que mais tiveram suas moedas depreciadas, como podemos observar no gráfico a seguir da Thomson Reuters Datastream. No ano, até o dia 19/8, véspera da mudança de estratégia do BACEN, o rand da África do Sul recuou 16,9%, o real 15,4%, as moedas da Índia 12,9%, Turquia 8,7% e Indonésia 7%.
Rações diárias
Recentemente observa-se uma suavização destas depreciações, diante das ações dos BACENs destes países, vendendo divisas, dentre outras medidas. No caso brasileiro, desde a bem sucedida estratégia do BACEN de vender divisas no mercado futuro, através de leilões de swap cambial, no total de US$ 500 milhões diários, entre segunda e quinta-feira e na sexta-feira, vender à vista, com cláusula de recompra, em leilões “de linha”, o real vem se “recuperando”. Chegou a R$ 2,45 no dia 22/8 (depreciação próxima a 20% no ano), mas se valorizou 6,8% entre 23/8 e 12/9 (R$ 2,27). A justificar isto, o bom nível de reservas cambiais, em torno de US$ 374 bilhões, e o ganho de credibilidade com a estratégia adotada, mais previsível e transparente.
Realinhamento das moedas a novo patamar de liquidez. Este movimento de realocação de fundos e de recursos nos EUA se seguiu à farra de crédito do passado, quando se falava de “guerra cambial”, “tsunami”, e outros termos, devido à inundação de dólares nos mercados. Agora os ventos mudaram. Os recursos buscam mercados mais seguros e com melhores perspectivas. Pelo gráfico a seguir, observa-se as retiradas de fundos mútuos dos mercados emergentes depois de maio, mesmo se reduzindo nas últimas semanas, para aplicar em títulos norte-americanos. Segundo a EPFR Global Data, estas retiradas chegaram a US$ 990 milhões semanais até meados de agosto, tendo passado de US$ 5 bilhões ao fim de junho.
Comparando emergentes. Ao analisar os emergentes, devemos comparar os principais fundamentos dos chamados “cinco frágeis” – contas externas, gestão fiscal, crescimento econômico, evolução do câmbio, inflação e cenário político. Nestes, observam-se diferenciações e alguns pontos em comum. Os países cujas moedas mais se depreciaram foram aqueles em que a situação fiscal, a inflação e o desempenho das contas externas são mais preocupantes. Neste caso, incluímos o Brasil, a Índia e a África do Sul. A Índia parece ser o país em situação mais delicada, pois, somado a estes fundamentos frágeis, possui também um quadro político conturbado. Por outro lado, Brasil, Rússia e, na margem, a mesma Índia, possuem níveis de reservas confortáveis, o que lhes dá “munição” diante de ataques especulativos.
Isto acontece muito quando a fragilidade externa é flagrante e as reservas insuficientes. Recordemos as crises cambiais nos anos 90, quando os países do Sudeste Asiático, Rússia e Brasil sofreram ataques por adotarem regimes de câmbio fixo, resultando em fortes deteriorações nas contas externas. Desde então, mudaram seus regimes cambiais, para flutuantes e vêm adotando políticas monetárias e cambiais mais ativas, visando reduzir os impactos atuais da fuga de recursos, assim como controles de capital, impensáveis nos 90.
Concluindo. Enfim, assim como no passado, estes países, dentre tantos emergentes, continuam devedores de reformas estruturais mais profundas, visando propiciar ciclos mais consistentes e duradouros de crescimento. Sem estas reformas, continuam escravos dos movimentos globais de ativos e moedas, muitas vezes derivados de ações monetárias corretivas dos bancos centrais dos países ricos. Vai aqui uma crítica. Quando houve o forte afrouxamento monetário destes nos anos recentes, os emergentes reclamaram de “guerra cambial”, mas pouco fizeram para reduzir suas exposições a estas ações. O mesmo deve ser dito sobre a farra entre 2002 e 2007, quando a China cresceu acima de 11% na média anual, sustentando as exportações de muitos destes países. Agora o fluxo, mais uma vez, virou e estes países não fizeram seu dever de casa. Como dizem no provérbio popular, “previdente é aquele que concerta o telhado nos dias de sol, evitando goteiras nos de chuvas.” Quem não faz isto acaba exposto e molhado.
Sobre o título deste Panorama, lembremos do posicionamento contrário dos emergentes contra as políticas frouxas dos Bancos Centrais dos países desenvolvidos. Agora, o Fed ameaça reduzir a liquidez global, valorizando o dólar e gerando pressões inflacionárias. O que dirão os emergentes…? Aguardemos a decisão do Fed sobre a mudança da política de estímulos, se não nesta semana, possivelmente a partir dos meses seguintes, provavelmente até meados de 2014. Achamos que este processo, quando detonado, será lento e cuidadoso, para evitar estouro de bolhas, particularmente daqueles que teimam em empurrar para frente seus problemas. Pensou no Brasil? Pois é…
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