Quem tiver acompanhado a sequência de artigos sobre demografia que tenho escrito ao longo do ano, sabe que até agora analisamos o envelhecimento da sociedade, a mudança de perfil do país, as revisões das projeções populacionais do IBGE, o Censo de 2010, as diferenças por gênero e as “ondas” de crescimento por faixa etária. Neste sétimo texto da série, quero tratar da relação entre o crescimento da população e a variação da produtividade.
Para tratar disso, é útil observar a tabela. Ela apresenta as taxas de variação anual da população brasileira de 1940 até 2010, com a projeção oficial até 2020, para dois conjuntos de pessoas: o de indivíduos entre 15 e 59 anos, e o da população como um todo.
Algumas conclusões saltam aos olhos, com destaque para:
Há um equívoco associado à tese de que o país tem pela frente um “bônus demográfico”
1- na fase áurea da economia brasileira, quando ela apresentou taxas de crescimento elevadas – antes da crise dos anos 80 – uma parte não desprezível do crescimento do PIB esteve associada ao dinamismo da população, uma vez que o contingente de pessoas em idade de trabalhar se expandia a uma taxa anual de quase 3 %;
2 – tanto no caso da população em idade de trabalhar, como no da população como um todo, as taxas de crescimento têm sido declinantes ao longo do tempo;
3 – em todos os períodos, até agora, o crescimento da população ativa deu-se a taxas mais rápidas que o da população como um todo, favorecendo o aumento da renda “per capita”; e
4 – na década atual, a expectativa é que a população de 15 a 59 anos tenha um crescimento anual ligeiramente inferior a 1,0 %.
A importância desses pontos ficará clara em nosso próximo encontro mensal, quando iremos avaliar em maiores detalhes as projeções de longo prazo associadas a essas tendências. Por enquanto, cabe frisar algumas questões, não devidamente ressaltadas nas análises sobre o desempenho da economia brasileira nos últimos anos.
Em primeiro lugar, a sociedade brasileira ainda não tem plena consciência das transformações demográficas em curso e das suas projeções para o futuro mais longínquo, haja vista a popularidade de propostas de aumento do valor real das aposentadorias, que adicionam a um desafio físico – lidar com o aumento futuro da relação Inativos/Ativos – uma mudança dos preços relativos, amplificando os problemas fiscais em perspectiva.
Em segundo lugar, parte do bom desempenho econômico do Brasil depois de 2003 se explica pela existência inicial do que antigamente se chamava “exército industrial de reserva”, isto é, um contingente enorme de mão de obra desempregada, em condições de ser absorvida por políticas de estímulo à demanda agregada, reduzindo assim a taxa de desemprego. O crescimento baseado em mais ocupação, que em termos sociais é fantástico, ofuscou um problema macroeconômico sério, representado pelo fato de que o desempenho do país em matéria de produtividade não tem sido nada brilhante. Ou seja, o Brasil cresceu empregando gente. A “pergunta do milhão”, porém, é a seguinte: o que vai acontecer quando o desemprego alcançar o piso? A analogia que cabe fazer é com um carro de corrida que vai muito bem na prova depois de iniciar a corrida com tanque cheio, mas cuja equipe não tem reservas para o tanque extra quando chegar o momento do “pit stop”. O desafio da produtividade está longe de ser vencido.
Em terceiro lugar, há um equívoco associado à tese de que o país tem pela frente um “bônus demográfico”. A ideia de que o país pode se beneficiar do fato de que a população em idade de trabalhar irá aumentar a taxas superiores à dos grupos por ela sustentados – crianças/adolescentes e idosos – é correta, mas deixa de considerar que paralelamente a isso haverá outro fenômeno em curso, relacionado com a queda do número de crianças e adolescentes e um aumento maior que o da população do grupo de idosos. Isso é importante pois quem cuida das crianças é a família, mas quem paga as aposentadorias é o Estado. Portanto, o desafio fiscal representado pelo fato de que a população idosa cresce a taxas muito superiores às da população em idade de trabalhar já está colocado – e a verdade é que temos feito muito pouco para nos adaptarmos a essa realidade.
Nos últimos 9 anos, entre 2003 e 2012, em termos anuais, a População em Idade Ativa (PIA) aumentou 1,5 %, a população ocupada 2,4% e o PIB 3,9%, indicando um aumento anual da produtividade por homem ocupado de 1,5%. No dia em que a população ocupada crescer à taxa da PIA, abaixo de 1%, a dinâmica recente da produtividade não nos permitiria crescer sustentadamente sequer a 3%. O Brasil precisa acordar: o desafio é maiúsculo.
Fonte: Valor Econômico, 10/07/2013
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