Em constante atrito com o governo federal por causa da falta de recursos, as prefeituras viram aumentar nos últimos anos as dificuldades para concluir obras iniciadas com recursos federais, por meio de convênios diretos e emendas de parlamentares. Na maioria das vezes, os recursos das emendas são apenas empenhados (promessa de pagamento futuro), mas a liberação muitas vezes não ocorre ou é jogada para os anos seguintes, entrando no buraco negro dos chamados restos a pagar (pagamentos adiados de um ano para outro), já batizado pelos políticos de “orçamento paralelo”. Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), do estoque de R$ 25,5 bilhões de restos a pagar inscritos em 2013 — relativos a recursos destinados a prefeituras —, apenas R$ 4,1 bilhões, ou 16,2%, foram efetivamente pagos este ano.
O estoque de R$ 25,5 bilhões inclui restos a pagar desde 2002 e que vão passando de um Orçamento anual para outro. O volume maior, no entanto, é mesmo de 2012, quando foram inscritos no Orçamento daquele ano um total de R$ 12,5 bilhões, ou seja, quase metade do estoque.
Do total de R$ 25,5 bilhões, R$ 2,7 bilhões são restos a pagar processados (empenhados e liquidados, mas não pagos no ano) e R$ 22,9 bilhões são não processados (empenhados, mas com o pagamento transferido para o ano seguinte). Os R$ 2,7 bilhões são referentes a obras já concluídas, e esses recursos deveriam ser distribuídos entre 7.975 empenhos.
As obras representam 75,2% do valor dos recursos devidos e inscritos, mas como a liberação do dinheiro depende, entre outros fatores, da medição feita pela Caixa Econômica Federal (CEF), muitos projetos ficam suspensos, abandonados à espera das verbas prometidas e empenhadas.
“Restos a pagar viram barganha política”
O problema dos restos a pagar se confunde com a barganha política das emendas parlamentares, aponta a CNM. Isso porque são por meio das emendas que estes recursos são destinados aos municípios, ou seja, aos redutos eleitorais dos parlamentares. O pagamento é trancado e fica na berlinda muitas vezes por problemas na qualidade dos projetos das prefeituras, nos convênios e mesmo no atraso na medição feita pela CEF. Pelas regras, inclusive nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a medição da execução das obras é feita por trechos, e o dinheiro é pago quando esta etapa é feita.
— Esses restos a pagar se confundem com o problema das emendas, viram barganha política. Tudo isso foi projeto aprovado, mas, na execução, começam a aparecer os problemas. E os problemas maiores ficam para os ex-prefeitos, que assumiram as obras e que respondem depois pela Lei de Responsabilidade Fiscal pela não execução. Não há continuidade das obras, e há um desperdício do dinheiro público — disse o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.
Segundo ele, os municípios enfrentam problemas porque os recursos dos convênios (transferências discricionárias) seguem um cronograma de execução política que os deixa em sérias dificuldades.
A questão dos restos a pagar explodiu ainda no governo Lula, quando rompeu a barreira dos R$ 100 bilhões, levando-se em conta todos os grupos de despesas do governo. Para 2013, foram inscritos um total de R$ 176 bilhões, havendo, depois, alguns cancelamentos. Para tentar reduzir o estoque, o governo baixou um decreto determinando o cancelamento daqueles restos a pagar relativos a obras que, em dois anos, não saíram do papel.
Mas, em 2013, de forma inédita, o governo desistiu de promover este cancelamento de restos a pagar. A decisão política foi para tentar agradar os parlamentares e os prefeitos, que vaiaram a presidente Dilma Rousseff na recente Marcha dos Prefeitos este ano. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a anunciar que, em 30 de junho, seria editado decreto com os cancelamentos, mas houve o recuo político. Além disso, para tentar contentar os aliados, o governo anunciou a liberação (empenho) de R$ 6 bilhões em emendas parlamentares, aumentando a fatia para cada um dos 594 parlamentares.
Fonte: “O Globo”
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