Recentemente a presidente Dilma divulgou o programa Brasil Maior, com uma série de medidas para elevar a capacidade de a indústria competir internacionalmente, particularmente para conseguir fazer frente ao enorme desafio que a indústria chinesa representa. Uma das medidas mais importantes foi a desoneração, para alguns setores, da contribuição patronal para a Previdência (20% sobre a folha de salários), em troca da criação de uma contribuição para a Previdência a ser paga pelos setores incentivados incidente sobre o faturamento. Os setores contemplados foram os de móveis, calçados, têxtil e software. Segundo o governo, serão medidas neutras do ponto de vista do orçamento da Previdência.
O primeiro aspecto que merece destaque é o experimentalismo da medida. Apenas poucos setores foram contemplados e, se a experiência for bem-sucedida, pode ser estendida aos demais setores da atividade produtiva. Penso que essa é uma prática que deve ser estimulada no setor público. É muito difícil saber exatamente como uma nova medida funcionará na prática. A introdução da desoneração por meio de um programa-piloto circunscrito é uma boa medida. O Regime Diferenciado de Contratação para as obras dos eventos esportivos é outro exemplo do emprego circunscrito de uma inovação institucional.
Do ponto de vista da alteração tributária, a medida apresenta uma involução em relação à minirreforma tributária tocada pelo ministro Palocci em 2003. Naquela oportunidade, PIS e Cofins deixaram de ter incidência cumulativa (o faturamento) e passaram a incidir sobre o valor adicionado. Assim, a criação de uma contribuição, desta vez para a Previdência, cumulativa representa uma involução em relação ao que construímos em 2003. O ideal seria que a contrapartida à eliminação da contribuição sobre a folha fosse uma contribuição sobre o valor adicionado.
Resta saber se a troca da contribuição sobre folha por uma sobre o valor adicionado que seja neutra para a receita federal, isto é, em que não haja perda líquida de receita para a Previdência, é ou não desejável do ponto de vista do funcionamento da economia.
Antes de responder a essa questão, vale a pena ressaltar que essa troca está longe de ser medida muito heterodoxa. Recentemente, o ex-ministro da Fazenda da Argentina Domingos Cavallo, em coautoria com Joaquin Cottani, sugeriu essa troca para elevar a competitividade da atividade produtiva dos países da periferia da Europa, que passam por enormes dificuldades em razão de um elevado custo e da impossibilidade de alteração do câmbio (ver “Making fiscal consolidation work in Greece, Portugal and Spain: some lesson from Argentina”, em http://www.voxeu.org/index.php?q=node/5018).
O que diversos exercícios de simulação mostram é que o grande problema da troca da folha de salários pelo valor adicionado é que o imposto sobre o valor adicionado será repassado ao preço do produto final. Esse repasse gera uma pressão inflacionária transitória que assume contornos muito ruins, em razão da atual conjuntura de inflação e expectativas se cristalizando em torno do teto da meta. Além disso, ao ser repassado aos preços, o imposto vai encarecer o investimento, desestimulando a acumulação de capital.
Ou seja, todo o ganho que há no curto prazo, pelo estímulo ao emprego por meio da redução do custo do trabalho, se perde no longo prazo com a redução do estoque de capital induzido pela troca. A redução, por sua vez, desestimula o emprego e a geração de renda. Assim, não parece haver ganhos de longo prazo nesta troca. Mesmo o nível de formalização da indústria, um dos possíveis efeitos colaterais da troca das bases tributárias, não parece responder muito no longo prazo.
Para que a troca gerasse ganhos de longo prazo sobre a renda e o emprego, seria importante que a contribuição sobre o valor adicionado paga pelas empresas na compra de equipamentos e serviços que contribuam para elevar o patrimônio físico da empresa – isto é, o investimento efetuado pela empresa – gerasse crédito. Neste caso, a contribuição sobre o valor adicionado se converteria num verdadeiro imposto sobre o consumo. A troca da folha de salários pelo valor adicionado inequivocamente gerará ganhos de emprego e produto no curto e no longo prazos. A dificuldade com essa proposta é que há o entendimento de que o consumo constitui base excessivamente tributada e que deveríamos caminhar para uma estrutura tributária com peso maior em impostos sobre a renda e menos impostos indiretos. Sob esse ponto de vista, a troca da contribuição sobre a folha por contribuição sobre o valor adicionado contribui para deixar nosso sistema tributário ainda mais dependente de impostos indiretos.
A conclusão é de que a proposta é ruim, pois a troca da desoneração da folha ocorre por meio de uma contribuição cumulativa, o que representa clara regressão em nosso sistema tributário.
Se fosse por meio de uma contribuição sobre o valor adicionado, seria importante que esta não incidisse sobre o investimento. Neste caso, a troca seria por um imposto sobre o consumo, o que contribui para elevar a regressividade de nosso sistema.
Não há saída fácil na gestão da política tributária!
Fonte: O Estado de S. Paulo, 26/09/2011
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