Considerem a seguinte tese: pode parecer exagerado e, de fato, é surpreendente, mas a América Latina está em condições de ensinar, sobretudo aos países desenvolvidos, como sair da crise e voltar a crescer. Podem reparar, a América Latina já pratica muitas políticas hoje recomendadas na Europa e nos Estados Unidos, como um sistema bancário sólido e regulado (não houve quebradeira na região) e controle das contas públicas, incluindo os orçamentos dos governos estaduais e municipais, mercado de capitais sob vigilância e responsabilidade monetária (ao contrário do que os Estados Unidos fazem, por exemplo, espalhando seus dólares desvalorizados pelo mundo).
Quem anda defendendo essa tese em palcos internacionais? Lula? A presidente Dilma?
Na verdade, ouvi toda a história em uma exposição do presidente da Colômbia, Juan Manoel Santos, na abertura do 3.º Fórum Econômico Internacional da América Latina e Caribe, promovido na semana passada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris. E ele não estava contando vantagem. Apenas tentava explicar porque a América Latina passara bem pela crise e voltara a crescer rapidamente.
Falou também de perspectivas. A América Latina tem uma população jovem, o que significa que está colocando no mercado milhões de consumidores e trabalhadores na formação das “novas classes médias”. A região tem energia – incluindo aí carvão e petróleo, com reservas novas descobertas em diversos países. Mas também existem algumas possibilidades amplas na energia limpa ou verde: hidrelétrica, eólica e, sobretudo, biocombustível.
A América Latina tem água e a biodiversidade das florestas (aliás, Santos contou que uma empresa da Califórnia havia lhe mostrado uma novíssima tecnologia para medir e avaliar as riquezas da Floresta Amazônica).
A América Latina é uma grande produtora de minérios e de alimentos, com a possibilidade de expandir mais a oferta.
No campo social, uma boa notícia: a pobreza é uma questão bem encaminhada. Não resolvida, claro, porque há milhões de pobres pela região. Mas, em praticamente todos os países, essas pessoas são atendidas por algum programa de “transferência de renda com condicionalidade”, designação técnica de políticas tipo Bolsa-Família.
Foi um avanço notável, observa o diretor do Centro de Desenvolvimento da OCDE, Mario Pezzini. Há dez anos, na virada do século, apenas três países da América Latina tinham programas de transferência de renda: México (pioneiro), Honduras e Brasil. Hoje estão por toda a parte e, mais importante ainda, em geral, funcionando bem.
Pode-se dizer, por aí, que o problema da pobreza extrema está resolvido? Sim, se isso quer dizer que essas pessoas recebem renda mensal e regular suficiente para a manutenção básica. Mas não, se a meta é criar condições para que essas pessoas deixem de ser pobres e vivam por sua própria conta, quer dizer, com seu trabalho ou seus empreendimentos.
E isso nos remete à agenda da América Latina, tal como foi debatido no fórum da OCDE. Como dar o salto definitivo para a prosperidade? Ou, na palavra de Santos, como podemos realizar “a década ou, quem sabe, o século da América Latina?”.
A observar: se os leitores acharam que o presidente colombiano descreve muito bem a situação brasileira, verificarão agora que as agendas propostas também caem como uma luva para o Brasil.
Sim, somos muito parecidos.
A prioridade número um é a educação. Mais exatamente: educação pública de qualidade. No geral, as crianças já estão na escola, mas aprendem pouco e mal. Esse é um fator de injustiça social – os ricos vão melhor nas escolas privadas – e de baixa produtividade no trabalho, uma restrição à prosperidade das famílias e do País.
A segunda prioridade está no emprego ou, mais amplamente, nas oportunidades de trabalho. Há muito trabalho informal e, para os empreendedores, os que tocam o próprio negócio, por necessidade ou por escolha, a formalização das empresas é complicada e cara.
Outro risco para as famílias – que podem perder tudo de repente e cair da classe média para a pobreza – e outra restrição ao crescimento.
A terceira é desenvolver e/ou melhorar os sistemas públicos de saúde, incluindo o saneamento básico.
No âmbito da macroeconomia, a questão imediata é como lidar com o boom das commodities (minérios e alimentos), puxado especialmente pela China, numa onda em que todos os principais países da América Latina estão surfando desde o início deste século.
Um dos temas do fórum da OCDE era: comércio de commodities, maldição ou bênção? Esses produtos têm trazido navios de dólares para a América Latina, aos quais se somam os recursos externos que entram para investimentos e aplicação financeira. A região, sempre carente de dólares e com moedas locais desvalorizadas, agora tem sobra de dólares e moedas valorizadas. Como lidar?
(A propósito: não há uma agenda comum da América Latina para lidar com a China nem com os Estados Unidos e o ambiente global. A Colômbia, por exemplo, não está no G-20 e o presidente Santos disse que seu país não se sente representado por Brasil, México ou Argentina, membros do grupo.)
Finalmente, está na agenda de todos a construção de uma infraestrutura – estradas, portos, aeroportos – que permita ganhos de produtividade.
Como fazer? Nossos próximos temas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 31/01/2011
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