Ferramentas tecnológicas na mão de um Estado como o brasileiro podem ser como energia nuclear na mão do Ahmadinejad: a evidência do grid-lock entre a ferramenta e a incivilidade humana – ou imperícia. Pensando bem, é como arma de fogo na mão do policial despreparado. Um dos efeitos colaterais perniciosos é que já se inverteu o princípio natural segundo o qual nós, o povo, precisamos exigir um governo eficiente e um Estado bom. Agora é o Estado brasileiro, cronicamente incompetente, quem nos cobra a nossa, do povo, perfeição e eficiência. E faz isso eletronicamente, como se tivesse a autoridade da eficiência e da decência. E “porque não dissemos nada, já não podemos dizer mais nada”, meu caro Maiakoski.
Se você passar de carro a 45 km por hora, e não aos 40 permitidos, o “Estado” exigente é implacável: a multa eletrônica e os pontos de sua penalidade avançam para, em um ano e vinte pontos depois, suspender sua carteira de motorista, até que você pague o valor da multa, a pena de suspensão e faça um “curso” para “reaprender” as regras do trânsito. Não importa se o trânsito é caótico em todo lugar. Este “juiz” eletrônico rigoroso segue impávido, seu curso de iniqüidades: não há transporte público decente, ainda se paga IPVA para “conservar estradas”, embora já privatizadas ou ainda péssimas, e os Detrans continuam corruptos. Você tem que ser perfeito, senão o Estado te cassa. Mas você continua não podendo esperar nada dele.
Computadores e sistemas poderosos fiscalizam cada centavo de suas economias. Não se iluda, para o Estado não há sigilo em sua vida econômica. E você não pode cometer erro algum na complicada e burocrática tarefa de pagar os complicados impostos brasileiros (segundo o Banco Mundial, no ranking dos sistemas complicados já éramos um dos piores do mundo, e agora somos “eletronicamente” um dos piores do mundo), nem tampouco deixar de pagar rigorosamente esta que é uma das maiores cargas tributárias do mundo. Se você cometer erros ou não pagar, o Estado saberá disso eletronicamente e aplicará uma multa de até 150%, em alguns casos, tomará teus bens e pode te levar preso.
Além disso, agora ele também cassa seu crédito, apontando você como mau pagador nas instituições de proteção ao crédito – como se ele fosse um fornecedor de bons serviços que você compra e não paga. Tudo eletronicamente, embora sempre haja um funcionário público com o cuidado de levar em mãos, para fazer as coisas para você “da melhor maneira possível”. A corrupção continua como o grande negócio dos insolentes operadores do Estado brasileiro, cujos serviços são inúteis e lentos, na grande maioria. Meras dificuldades para vender facilidades corporativas. Não há segurança pública e não há saúde pública, para não falar na educação. Você tem que ser “eletronicamente” perfeito, porque o Estado agora é moderno, eletrônico e ganhou ferramentas eficientes para cobrar, punir, cassar e prender.
É também um impostor este estado brasileiro. Mas você não pode reclamar.
Até o Poder Judiciário no Brasil está agora “eletrônico”. Tudo moderno, perfeito! Há também prédios novos, centenas de tribunais, milhões de magistrados e funcionários bem remunerados (a propósito, a maioria trabalhando menos que os “mortais”, o povo). Pouco importa a eles que as ações judiciais continuem demorando um tempo que nos envergonha de chamar isto que vemos, de “justiça”.
Nem queira litigar contra o Estado: seus advogados (do “Estado”) freqüentemente trabalham como se seu cliente fosse apenas um mentiroso a mais que precisam defender, em “enrolador” litigando de má-fé, utilizando seu defeito de não produzir justiça, a seu favor, a favor de quem lhe paga, ele próprio, o Estado que nos devora eletronicamente, com impostos. Ao perder, depois de longo tempo, o Estado não cumpre sua pena, não paga e nem liga. Mas você não tem onde reclamar. Até tem, mas não resolve o seu problema, que é de cinco ou dez anos roubados por ele próprio, o absurdo Estado brasileiro.
Temos até uma inusitada “Justiça Eleitoral” eletrônica, também exigente. Você é obrigado a votar, senão deve pagar uma multa e não pode ter passaporte! Prédios, juízes, advogados, e aumentando – uma corporação belíssima para nos dar o grande orgulho nacional: sabemos, em apenas alguns minutos, que o Tiririca teve quase dois milhões de votos e é deputado federal, ao lado de Romário e Darnley. E que Vampeta e Marcelinho Carioca não conseguiram chegar lá.
A ferramenta e o homem e, portanto, a sociedade e o Estado, deveriam caminhar em evolução proporcional à civilidade. Se a ferramenta “automóvel” é abundante e não há educação para o trânsito nem vias adequadas, acontece isto que vemos: na Índia há novas trezentas mil mortes de pedestres por ano nas ruas e em São Paulo o caos se instalou na cidade. Se entregarmos arma de fogo nas mãos de índios selvagens, eles farão mau uso delas – como já fazem com bebidas, drogas ou dinheiro.
O Brasil é uma tribo cujo cacique, o Estado, recebeu sem esforço de desenvolvimento as ferramentas que o mundo produziu – informática, internet, etc. Deveria utilizá-lo, primeiro, para melhorar o desempenho de suas funções de Estado, mas não faz isso. Usa as ferramentas apenas para oprimir “melhor” os contribuintes, já vitimados pela carga iníqua de tributos e sua complexidade absurda. Não avança quase nada para melhorar os serviços.
É preciso que o Estado brasileiro olhe para os ciscos que estão em seus olhos, para depois apontar os ciscos dos olhos dos cidadãos. Também eletronicamente.
Excelente artigo. Certamente esta é a vox populi. No Brasil temos muitos deveres e poucos direitos. Sofremos de um “desamparo” crônico, somos objetos nas mãos do Estado, que faz de nós o que lhe for conveniente. Devemos admitir que ainda somos uma sociedade ingênua, iludida e embalada pelos embustes dos políticos sectários do individualismo, dos interesses pessoais e que, portanto, de sérios nada têm.
Me sinto na época dos cobradores romanos…Tudo é incidioso,só dever, dever, obrigação…
Esse Estado que permite, estimula e cobra impostos sobre a fabricação de carros com capacidade para chegar a até 240 km/h, mas que permite, nas suas estradas, o máximo de 120 km/h (na maioria delas bem menos do que isso). Explica-se: quanto maior a potência, maior o IPI e o IPVA, claro. Mas se correr o bicho pega.
E as provas do Detran por aí a fora? Paga-se escola, refaz-se a prova, paga-se Duda toda hora… E quem defende o cidadão do Detran? As provas deveriam ser filmadas…