O sistema financeiro recebe depósitos e capta dinheiro de um lado, fazendo empréstimos e repassando recursos de outro. Fabrica papéis e lançamentos digitais para o financiamento da produção e do consumo. O que está por trás desse papelório? Qual é a garantia de depositantes e credores? O funcionamento dessa engrenagem depende fundamentalmente do bom desempenho dos tomadores de empréstimo.
O que fazer, entretanto, se o problema é sistêmico? Se há um crash no valor de todos os ativos, como ocorreu no colapso dos mercados acionário e imobiliário nos Estados Unidos? O papelório simplesmente perdeu o lastro. Como os bancos estavam extraordinariamente alavancados, endividando-se de modo a carregar ativos em até 40 vezes seu patrimônio, uma queda de apenas 2,5% no preço desses ativos quebraria o sistema financeiro.
Ora, os preços das ações, dos imóveis e dos derivativos tóxicos caíram muito mais que isso, o que significa que o sistema financeiro poderia ter literalmente se evaporado. Foi esse pânico que permitiu a captura de Washington por Wall Street. Em vez de garantir os pequenos depositantes, os contribuintes de Barack Obama foram chamados a garantir a sobrevivência de práticas bancárias irresponsáveis e investidores inconsequentes. É o capitalismo dos financistas. Angela Merkel, sob pressão da opinião pública alemã, tem discordado dessa solução de blindagem dos grandes investidores, que transfere todo o ônus aos contribuintes, no equacionamento da crise bancária europeia.
Chegamos então ao trabalho investigativo da minha, da sua, da nossa Míriam Leitão no colapso do Banco PanAmericano. Eremildo, o Idiota, criado por Elio Gaspari, suspeitaria que o PanAmericano é mais um caso de incompetência e fraude do que de uma crise sistêmica: “Havia carteiras falsas, créditos inexistentes, créditos pré-pagos registrados como recebíveis, além de ativos já vendidos e mantidos na carteira como seus.” Segundo as fontes de Míriam, “todos tinham muito a perder: os grandes bancos, o Banco Central, a Caixa, o Fundo Garantidor de Crédito e o candidato a comprador. A bicicleta tem de andar”. Concluiria Eremildo: “Grandes bancos nunca perdem: chamem um ciclista.”
Confundir a necessidade de garantir depósitos de clientes de baixa renda com a salvação de bancos e a blindagem de investidores é o ovo da serpente que quase leva a maior economia do mundo à desintegração.
Fonte: O Globo, 06/02/2011
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