Já se disse que a história se repete como farsa, após ter sido escrita inicialmente como tragédia. Isso se parece cada vez mais com nosso processo inflacionário. Ele já foi uma vez tragédia, tanto nos números em si quanto nos malfadados planos para derrubá-la.
Mas hoje os desacertos para tentar debelar a inflação começam a se repetir, dessa vez escamoteada por falsas acusações de culpados e tentativas espúrias de mecanismos de controle inflacionário. Os mais recentes desses artifícios se chamam inflação de alimentos e controle de crédito.
O primeiro é uma ameaça real. Mas já era real na época de FHC e assim será nos próximos dez anos ou mais. Uma simples análise da inflação aberta nos governo FHC e Lula mostra que os preços de bens não-duráveis, majoritariamente alimentos, subiram praticamente a mesma coisa nos dois governos.
E deverá continuar a subir nos próximos anos pelos crescimentos da China e da Índia. Não apenas por China, mas agora pela Índia, cujo processo de crescimento desponta como uma das forças nos próximos anos e deverá colocar pressão em commodities agrícolas, como soja e milho.
Isso nos leva a crer que a inflação que virá de alimentos deve ser um processo mais permanente do que temporário, o que exigiria do governo um cuidado extra com os outros componentes da inflação. Mas a farsa aqui é culpar a alimentação pela inflação geral e tratá-la como meramente temporária ou sem riscos de contaminação de outros elementos, como alimentação fora do domicílio.
Aqui entra a “arma” que tem sido usada pelo governo, o controle de crédito. Desde o final de dezembro o governo começou a editar medidas macroprudenciais, que, apesar do nome pomposo, nada mais são que elementos para controlar a expansão do crédito ao consumo.
Mas se a principal razão de crescimento da inflação fosse bens duráveis, a desaceleração do crédito seria muito bem-vinda. Entretanto, simples exercícios econométricos mostram que para serviços, que é o principal vilão da inflação hoje, não é o crédito que importa, mas a evolução da renda.
Afinal, o pagamento da TV a cabo ou do cabeleireiro dependem essencialmente de haver renda ou não.
Esses exercícios mostram que depois de dez meses o impacto do crédito nos preços de serviços é zero, enquanto um aumento de 1 ponto percentual na renda levaria a um crescimento de 0,6 ponto em serviços.
Fica claro que para combater a inflação de serviços não adianta só controlar o crédito, mas sim a renda. Para isso, a melhor opção é a taxa de juros, pois afeta a economia de forma generalizada. A política de crédito às vezes me lembra um vício que o governo tem de escolher vencedores ou perdedores, como se faz no BNDES.
Tenta-se ajustar um pedaço da economia o que pode causar mais distorção do que ajuste.
De um lado, o Ministério da Fazenda insiste nos preços de alimentos e, de outro, o BC foca o crédito como razão central para controlar a inflação. Mas há quem diga que o governo começou muito bem.
Fonte: Brasil Econômico, 31/01/2011
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