Primeiro negaram que a inflação fosse se acelerar. Quando acelerou, inventaram que se tratava de um “choque de oferta”, contra o qual a política monetária seria impotente. Agora que a Selic começou a subir, a modinha é falar da “inflação basal” (nome novo para a velha – e desmentida – “inflação estrutural” dos anos 1950 e 1960) para justificar propostas estapafúrdias, que ignoram tanto a teoria econômica como a experiência nacional e internacional sobre o assunto.
Os suspeitos de sempre, por exemplo, defendem elevar a meta de inflação. Como a “inflação basal” seria alta, a alternativa seria acomodá-la por meio de uma meta maior. Trata-se de uma atrocidade e explico o porquê.
Imaginemos, para começar, um país cujo banco central, ao contrário do nosso, tenha credibilidade, em que se anuncie uma meta futura de inflação, digamos, 1% acima da existente. Neste caso, as expectativas de inflação futura imediatamente se ajustam 1% para cima.
Isto acelerará a inflação corrente, pois, sabendo que esta irá subir à frente, empresas e trabalhadores elevarão hoje seus preços e salários. Neste caso, o banco central, para manter a inflação presente na meta terá que elevar a taxa nominal de juros por mais do que 1%, ou seja, aumentará a taxa real de juros, levando a um crescimento menor do produto. Ao contrário do que nossos “keynesianos de quermesse” imaginam, elevar a meta futura de inflação forçaria o BC a reduzir o crescimento atual.
Pode parecer que ignoro o efeito da inflação passada sobre a inflação corrente, mas não é o caso. Mesmo que tanto a inflação passada quanto a futura influenciem na formação de preços hoje, a primeira é um dado que não se altera com o anúncio da nova meta. Já os efeitos decorrentes do canal das expectativas continuam valendo, mesmo na presença de inércia, de modo que a elevação da meta futura acaba implicando juros nominais e reais mais altos do que no caso de manutenção da meta.
É verdade que, por hipótese, trabalhamos com um banco central crível, de modo que o mero anúncio de uma meta de inflação basta para fazer com as expectativas convirjam para aquele valor. Esta suposição não é, obviamente, uma boa descrição da nossa situação atual, como expresso pelas expectativas de inflação que se cristalizaram pouco mais de 1 ponto percentual acima da meta, tanto para 2013 como para 2014.
O que ocorreria neste caso se a meta fosse alterada para 5,5%, próxima às expectativas hoje vigentes? Economistas ingênuos podem acreditar que as expectativas ficariam inalteradas. Isto, porém, ignora a percepção deteriorada dos agentes acerca do compromisso do Banco Central (BC) com a meta. Muito mais provável seria a elevação adicional das expectativas levando em consideração a incapacidade do BC em entregar a inflação na meta, permanecendo acima dela desde 2010. Ou seja, a mesma dinâmica descrita acima permanece válida, com a agravante que – com a credibilidade combalida – a inflação esperada (e, portanto, a efetiva) continuaria a superar a meta.
A proposta de elevação da meta simplesmente desconsidera que agentes econômicos não ficam passivos em face de alterações nos parâmetros de política econômica, mas, pelo contrário, tratam de se adaptar o mais rapidamente possível às novas circunstâncias.
Este mesmo erro aparece em outra das sugestões mágicas, a saber, a extensão do período de convergência à meta, mas, antes de tratar dele, não posso deixar de sugerir aos autores da proposta que, por obséquio, antes de falar qualquer coisa, tenham a bondade de olhar os números para notar que já tivemos quatro anos para trazer a inflação de volta à meta, sem sucesso. A verdade é que a convergência lenta está em vigor e, de forma nada surpreendente, não funcionou.
Para entender a razão, voltemos ao caso do banco central com credibilidade, mas suponhamos que ele resolva seguir o sábio conselho acima e alongue o período de convergência, digamos, para três anos, após a inflação ter atingido 7,5% contra uma meta de 4,5%.
Deve ser óbvio que, sob estas circunstâncias, a expectativa ótima de inflação não será a meta, mas alguma coisa entre a inflação passada e meta (por exemplo, 6,5% no primeiro ano, 5,5% no segundo e, finalmente 4,5% no terceiro). Posto de outra forma, a convergência lenta à meta faz com que as expectativas passem a incorporar a inflação passada.
A indexação – que vários destes economistas citam como motivo para alongar a convergência – acaba sendo, na verdade, resultado desta estratégia. Também neste caso, a desconsideração da reação dos agentes econômicos leva a propostas equivocadas de política.
Resumindo, não apenas não há a tal “inflação basal”, como as propostas para lidar com este “problema” apenas piorariam o problema real, a saber, a perda de credibilidade do BC, manifesta em expectativas teimosamente superiores à meta. A solução, simples, mas politicamente inviável a pouco mais de um ano da eleição, consiste na adoção de um conjunto de políticas, fiscal e monetária, consistentes com inflação mais baixa, isto é, um superávit primário (de verdade, por favor) mais elevado e um BC firmemente comprometido com sua tarefa institucional. O resto é diversão.
Fonte: Folha de S. Paulo, 02/05/2013
No Comment! Be the first one.