Apesar da péssima aparência, é ainda possível uma interpretação construtiva da complexa dinâmica da política brasileira. Os sucessivos escândalos e a desmoralização da classe política seriam fenômenos transitórios. Manifestações de uma transição inacabada do Antigo Regime para a Grande Sociedade Aberta. Dessa obra incompleta vem a necessidade de aperfeiçoamentos institucionais para a correção de práticas políticas degeneradas. O que traz, portanto, uma dimensão histórica ao julgamento do mensalão. Sob esse olhar, o impeachment de Collor há 20 anos teria sido o momento de afirmação do Congresso, com a demarcação da independência do Poder Legislativo. Da mesma forma, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estariam agora demarcando a independência do Poder Judiciário pela condenação da compra de apoio parlamentar por representantes do Executivo.
Seria também concebível uma interpretação bastante cética sobre tudo isso. Collor teria caído porque era de “direita” e seu tesoureiro, PC Farias, não quis “mensalizar” o butim. Por arrogância e inexperiência, enfrentou simultaneamente 1) uma “esquerda” hegemônica que se julgava a única responsável pela redemocratização e 2) um establishment conservador e corrupto. A queda de Collor teria revelado o lubrificante da “governabilidade”, essa busca disfuncional e despolitizada de sustentação parlamentar, sempre movida a corrupção, tráfico de influência e desvio de recursos públicos. O STF inicia nesta semana o julgamento do antigo núcleo político do partido do governo por corrupção ativa. Mas é importante transcendermos a excitação do momento e as ferozes disputas partidárias. “A virtude cívica é o fundamento do Estado. Sem ela, nenhuma sociedade poderia subsistir. Daí a concepção pedagógica das penalidades, não só como retribuição às faltas cometidas mas também para a intimidação preventiva de faltas futuras e o aperfeiçoamento das práticas políticas. Este era o espírito político do Estado constitucional e jurídico em Atenas em meados do século V a.C. Há uma dimensão educativa no direito e na legislação que contribui para a formação de cidadãos em uma democracia”, registra Werner Jaeger, em “Paideia: a formação do homem grego” (1936).
Fonte: O Globo, 01/10/2012
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