Parece que vivemos num país imaginário, que mais se parece com aqueles descritos pelos escritores latino-americanos do chamado realismo fantástico. Lembra uma obra de ficção, dado o discurso dos quadros desenvolvimentistas do governo, mas vive levando choques de realidade, ao se confrontar com a dureza dos fatos, que se impõem pelo dia-a-dia dos mercados e dos indicadores econômicos divulgados.
Enquanto o governo prega a necessidade de crescer, mesmo com pitadas de inflação, os agentes econômicos desconfiam e adiam seus projetos diante da desorganização que a inflação traz, abortando uma possível retomada, além dos desencontros no discurso oficial. O governo, no entanto, teima em virar as costas para a urgência do combate à inflação, diante da necessidade de crescer, até porque 2014 é ano eleitoral.
Nos últimos dias, discursos desencontrados de membros do governo serviram para confundir ainda mais os mercados. De Durban, África do Sul, em discurso para os países dos BRICS, a presidente Dilma Roussef defendeu o crescimento a qualquer custo, não sacrificando-o para conter a inflação. Com isto, acabou gerando mais ruídos no mercado, enfraquecendo a atuação do BACEN, já que, a princípio, descartou a hipótese de elevação da taxa de juros no curto prazo. Como corolário, nos mercados futuros de juro, as taxas de curto prazo recuaram, servindo para jogar uma ducha de água fria sobre a hipótese de elevação de juro na reunião do COPOM em abril (dia 17). Serviram também para reduzir as apostas de elevação na reunião de maio.
Em seguida, a própria presidente veio a público reclamando que suas declarações haviam sido manipuladas por agentes do mercado. Nos dias seguintes, Alexandre Tombini, presidente do BACEN, voltou a aparecer na mídia, mostrando-se preocupado com a inflação, seu grau de disseminação e o comportamento dos núcleos. Mostrou-se cauteloso, dadas as incertezas internas e externas, mas reconhecendo o momento delicado do País, diante de uma retomada frágil da economia e a inflação ascendente no curto prazo. Disse também que esta tem se mostrado resistente com a elevação dos alimentos in natura e os serviços.
Afinal, diante destas declarações contraditórias, o que acreditar?
Não se deve defender a tese de que dá para crescer, mesmo que com um pouco mais de inflação. Como dizem, “não existe almoço grátis”. Para atingir um objetivo, o crescimento sustentável da economia no longo prazo, o que deve mudar são as políticas a serem adotadas e não a defesa errônea de certa leniência com a inflação. Na verdade, o que se observa é um discurso ambíguo do governo, ora defendendo mais crescimento, ora mobilizado em manter a inflação sob controle. Afinal, é possível compatibilizar ambos? Com certeza, acreditamos que sim, mas desde que adotadas medidas acertadas. Façamos algumas ponderações.
• O país não cresce, pois o ambiente de negócios não favorece. Os empresários apenas retomarão os investimentos quando houver transparência nas relações entre governo e setor público e as regras forem respeitadas. Além disto, preocupa o desencontro de propósitos no combate à inflação. O crescimento só é sustentável no longo prazo havendo previsibilidade e estabilidade de preços. A inflação impacta na retomada, pois desorganiza a produção, tira horizonte de planejamento dos empresários e corrói a renda das camadas mais pobres.
• Nos indicadores de atividade, o que se observa é um ritmo errático de retomada. O PIB, depois do crescimento pífio em 2012 (0,9%), não mostra capacidade de crescer mais do que 3% neste ano, dados o desconforto com a inflação, os fracos investimentos e a desconfiança dos empresários diante deste discurso ambíguo do governo. Refletindo isto, o Ibovespa, um medidor deste estado de ânimo dos investidores, amarga um dos piores desempenhos do mundo, recuando cerca de 10% no ano.
• Em fevereiro, a produção industrial rateou, recuando 2,5%, depois de crescer 2,6% no mês anterior, estimulada pelo setor de caminhões pesados. Contra fevereiro do ano passado, a retração chegou a 3,2%, sendo que dos 27 ramos pesquisados 15 recuaram. A maior queda aconteceu pelo lado dos bens duráveis (-6,8%), com a indústria automobilística registrando queda de 9,1%, sendo destaque também os segmentos mobiliários e eletrodomésticos, em particular a linha branca, diante da perspectiva do fim da isenção do IPI. Decorrente disto, o governo tratou de anunciar a prorrogação do IPI mais baixo para o setor automobilístico até dezembro deste ano.
• Uma boa notícia neste fraco desempenho da Indústria em fevereiro, no entanto, veio do setor de bens de capital, crescendo 1,6% contra janeiro, depois de avançar 9,2% no primeiro mês do ano. No ano, o crescimento acumula 10,9%, não só sustentado pelo setor de transportes, pela boa performance dos caminhões, mas pela retomada da construção, a maior demanda por máquinas agrícolas, com a safra recorde prevista neste ano, entre outros. Ou seja, ao contrário de janeiro, a expansão do setor de bens de capital é mais disseminada, sendo bom sinal para a retomada dos investimentos neste ano. Sim, porque achamos que o crescimento da economia neste ano só será sustentável se guiado pelos investimentos, com destaque para aqueles focados em infraestrutura.
• Não é mais possível manter o crescimento baseado no consumo das famílias, dada a alta inadimplência em curso, ou seja, o esgotamento na capacidade de endividamento. A retomada precisa ser guiada pelos investimentos, mas são necessárias ações concretas para voltar a atrair os empresários. Pesquisas da FGV preocupam por mostrarem uma perda de confiança destes, tanto nos serviços, como na indústria, construção, etc. Tentando reverter isto, uma agenda de reformas estruturais precisa ser retomada, as privatizações ou concessões de serviços públicos precisam deslanchar, a reforma tributária, empacada numa gaveta do Congresso, precisa voltar a ser debatida, os investimentos em infraestrutura precisam se tornar realidade.
• O governo precisa voltar a ter uma política fiscal crível, sem maquiagens contábeis, mostrando maior controle sobre a concessão de crédito público via BNDES, com repasses do Tesouro, o que só vem servindo para aumentar a dívida bruta. Precisa perseguir a meta dos últimos anos, de superávit primário de 3,1% do PIB, mesmo descontados os investimentos do PAC. Com uma gestão fiscal mais responsável será possível aumentar a poupança pública, abrindo espaço até para manter o juro no atual patamar de 7,25% anuais. Neste caso, tem-se o chamado crowding in, na qual o setor privado não precisa disputar recursos com o setor público. O setor público melhora a qualidade dos seus gastos, menos focados em custeio e mais em investimentos, complementando os do setor privado. O contrário acontece através do crowding out, na qual a dívida pública emitida absorve parcela considerável de fundos no mercado, prejudicando os financiamentos por mais investimentos.
• Com uma política fiscal mais equilibrada, abre-se espaço para o retorno da confiança do setor privado, proporcionando aumento de investimentos, já que não será necessária a elevação do juro para segurar a demanda privada. Os investimentos se tornam, então, os principais medidores da retomada da confiança do setor privado. Quando retomam, é sinal de que os empresários estão acreditando no futuro do país.
• Parafraseando o economista Gustavo Franco, ex-presidente do BACEN na gestão FHC, são necessárias políticas amistosas ao capital. Se o governo é hostil ao capital, não haverá crescimento, nem investimentos. Sendo assim, o melhor a fazer é adotar uma política fiscal responsável, com redução de gastos de custeio desafogando a necessidade de ajuste através da política de juros. Pressiona-se a demanda agregada da economia, não mais pelo lado do setor privado, mas pelo controle do consumo do governo. E isto só é possível com disciplina fiscal. Nas palavras de Franco, seria uma melhor percepção de mudança de regime fiscal, mais saudável e crível para os investidores privados. Segundo ele, já deveríamos ter aprendido que é muito mais saudável combater as causas da inflação, neste caso, através do ajuste fiscal, do que apertar a demanda via juro, o que gera custos muito mais nocivos para o sistema econômico.
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