Os minoritários do consórcio vencedor do megacampo devem ter tomado riscos bem controlados em relação a seus futuros compromissos como sócios não operadores na exploração daquela que nos foi apresentada como a “joia da coroa” do setor petrolífero nacional. Discussões acaloradas devem ter rolado nos Conselhos de Administração da anglo-holandesa Shell, da francesa Total e mesmo no comando das chinesas CNPC e CNOOC, recém-chegadas ao Brasil. O mesmo não se pode dizer da nossa Petrobrás, que até ampliou de 30% para 40% sua participação societária num negócio marcado por riscos de muito difícil avaliação, além de arcar com as obrigações decorrentes da Lei n.° 12.351/2010, ao ficar diretamente responsável pela condução e execução de tudo o que se fizer no campo de Libra.
Mas o público desconhece uma parte essencial do negócio, que é o acordo das consorciadas, assinado entre as estrangeiras e a Petrobrás. O acordo possivelmente inclui cláusulas benignas de saída para qualquer consorciada desistente. Caso contrário, os riscos de crédito, operacionais, jurídicos e políticos seriam insuportáveis perante as matrizes das consorciadas. Basta lembrar outro detalhe crucial desse negócio: como atuará a Pré-Sal Petróleo SA (PPSA), estatal criada exclusivamente para representar os interesses difusos do governo no negócio, podendo nomear metade do Comitê Operacional de Libra, incluído o seu presidente, e que administrará o consórcio.
A rigor, o risco econômico do negócio em Libra é um ponto de interrogação do tamanho do mega campo, impedindo qualquer medida séria de comparação entre riscos e retornos por uma ótica do setor privado. O governo, portanto, está corretíssimo numa única afirmação sobre Libra: essa transação é tudo menos privatização. Isso também explica por que o “lance” foi único e saiu pelo valor mínimo. Foi uma cessão de direito certo de fazer, contra direito absolutamente incerto de recuperar o que terá sido investido.
O leilão de Libra já começa a jorrar conseqüências, não petróleo. O desembolso imediato da Petrobrás, da ordem de R$ 6 bilhões apenas como tíquete de entrada, será mais um teste a ser vencido por um balanço já estressado por ineficiências diversas e pelo torniquete da manipulação do preço final do combustível, que, só este ano, já tomou mais de RS 10 bilhões da empresa.
Os requerimentos seguintes, operacionais, muito se parecem com o esforço titânico a que se propôs o empresário Batista, só que com um fator multiplicativo de, pelo menos, cinco vezes. Portanto, os atrasos na exploração são mais do que previsíveis. As apostas giram em torno de um preço do barril O leilão da chamada “joia da coroa”já começa a jorrar conseqüências, não petróleo
na faixa atual. Caso as cotações do petróleo venham a ser afetadas por outros fatores, ora ignorados, como o óleo de xisto e os juros externos, as projeções mirabolantes do governo virarão um pesadelo.
Enquanto isso, gerir as agendas das consorciadas no projeto será outra tarefa espinhosa, pelo enorme fluxo de informações privilegiadas a que buscarão ter acesso sobre o programa brasileiro. Isso gerará muitas tensões e possível quebra de confiança entre sócios.
Outro é o risco regulatório, antes mitigado pela presença da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), agência pública com experiência no setor. Mas como agirão os senhores da neonatal PPSA no dissonante Comitê Operacional de Libra? Mais perguntas sem resposta plausível.
Os chineses, por seu turno, apesar de nem terem tido tempo de desfazer suas malas, ainda sem o CNPJ de suas empresas, serão os mais bem preparados na arte da espera, treinados como são, culturalmente, para aguardar por desenlaces inesperados que os beneficiem no estranho negócio.
Quanto a nós, o distinto público do lado de fora do certame, também acompanhamos tudo, meio anestesiados, como sempre o fizemos. O governo, na sua apostasia da verdade, pensa ser o legítimo representante do povo brasileiro nos negócios em que se mete como executor e juiz de si mesmo. Brasília não é Brasil e, no campo dos interesses financeiros populares, menos ainda.
Uma abordagem completamente distinta ao atual modelo financeiro do pré- sal, excludente como é, seria a de testar a maturidade do nosso setor financeiro e de mercado de capitais, este, sim, mais do que preparado para lidar com avaliações complexas de risco. E aproveitar para envolver o grande público numa capitalização coletiva de seus direitos sociais perante a União, por meio de fundos públicos de natureza previdenciária, que hoje estão a demandar o lastro previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (artigo 68) que comanda a formação de um “Fundo do Regime Geral da Previdência Social”. Em países que lidaram com prudência na formação da riqueza coletiva futura, como a Noruega, só para citar um, a formação do pecúlio previdenciário sempre esteve em primeiro lugar, sendo também possível alocar fluxos futuros desse lastro em investimentos rentáveis em educação e saúde.
Haveria recursos ainda, mais do que suficientes, no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dos trabalhadores, para participarem do leilão de Libra, se assim tivessem o direito de optar por realizar tal investimento. Isso daria a oportunidade de se provar que o petróleo é uma área aberta, de fato, a todos os potenciais investidores brasileiros, inclusive trabalhadores, e não apenas a instituições prepostas dos interesses desse mesmo público.
Entretanto, o governo brasileiro nunca cogitou de permitir tal intromissão em seus negócios. Os brasileiros, não obstante, terão sua chance de participar no futuro: pela carga tributária mais elevada quando, eventualmente, faltarem recursos para cobrir os esforços de exploração.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 30/10/2013
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